O amigo José Emilio Carvalho de Oliveira, pirenopolino que há muitos anos mora no Rio de Janeiro, enviou-me o texto abaixo que, por ser longo, não pode ser postado nos comentários sobre a numeração dos Mascarados de Pirenópolis. Então segue em postagem própria, sem cortes.
"Caro Adriano, e demais participantes,
O poema “Boi Amarelinho”, sobre carro de bois, de Raul Torres, termina com o verso “... os óio que lá me viro, amanhã não me vê mais” e, também, “Das Qualidades de Cidadezinha do Interior”, de Marcus Cremonese, o verso "quero apenas um moto perpétuo de gemidos doces de carros-de-bois, mas daqueles de rodas maciças com dois buracos como olhos de bêbado” me inspiraram a participar deste blog.
Muito lhe agradeço a oportunidade de acompanhar os acontecimentos culturais de Pirenópolis, já que as raras oportunidades de estar presente me impedem maior aproximação. As notícias recentes, entretanto, me sensibilizaram bastante - a morte do José Reis e o tema “mascarados”, então!
Como velho, saudoso e aposentado mascarado, filho de João José, um dos mais carismáticos reis dos cristãos, que muito contribuiu para a perpetuação das Cavalhadas nos tempos mais difíceis, fico apreensivo com a regulação dos mascarados, pois o tiro pode sair pela culatra (os óio que lá me viro, amanhã não me vê mais). Vide o que aconteceu com os Desfiles das Escolas de Samba do Rio de Janeiro – a excessiva regulamentação e exploração turística e midiática, simplesmente assassinaram os desfiles de rua e o samba-raiz, dando lugar a um desfile comercial, elitizado, enquadrado e siliconado, onde o que mais abunda nada tem a ver com a tradição cultural. Aliás, os velhos cordões e blocos estão ressurgindo com a força de uma surpreendente vontade popular, cansada do processo de alijamento, e vem tomando conta das ruas do Rio de Janeiro, para desdém e aborrecimento daqueles que se dizem preocupados e usam como escudo a bagunça e o combate à sujeira deixada pela passagem dos blocos. Até parece... Ora, se sujou, basta lavar.
Sei que a preocupação com o problema do anonimato e dos excessos praticados por mascarados existe e não é fantasia, enumeram-se vários ao longo dos tempos. Mas, “Mascarados do Divino” sempre foi uma manifestação cultural, de festança, lazer e alegria que vem sendo perpetuada pelos jovens pirenopolinos, há 200 anos. As suas originalidade e autenticidade não encontram concorrentes.
Que me perdoem os corumbaenses que nada tem a ver com nossas discussões, mas “Mascarados de Corumbá” se transformar em referência, é dose. Não tenho nada contra eles, nem a favor! O meu mascarado ídolo era seu primo Luis Artur Curado (que postura, que luxo, que elegância) que todos sabiam quem era e que não fazia questão de se esconder. Agora..., mascarado com CPF, Chip, endereço, preferência sexual, código de barra? Já imaginaram se a mania pega? “Bonecos de Olinda” com outdoor de identificação? “Bumba meu Boi” com crachá pendurado no chifre?
Meus amigos! Há maneiras de se proteger a população contra a ação de vândalos e bandidos dispostos as se travestirem de “mascarados” com intuitos menores. Há, inclusive, exemplos de mau uso de mascarado até pelos poderosos da política local. Para combater, o Poder Público existe para isto! Aprontou? Cadeia neles.
Que não se culpe e não se pretenda, de forma preconceituosa, engessar uma das maiores, mais representativas, autênticas e espontâneas manifestações de cultura popular existentes no nosso país, quiçá, no mundo!
E o “transitado em julgado”? Desconheço integralmente os meandros jurídicos, mas sei que existem várias instâncias. Em todas elas a Prefeitura de Pirenópolis foi sentenciada a emitir alvará aos interessados em participar no “Mascarados do Divino”? Sem direito a defesa? Não acredito! Assim como temos que cumprir as decisões da Justiça, temos o direito de discordar e tentar reverter.
Não me tirem o direito de, durante a festa do Divino, olhar nos olhos bêbados de um mascarado, através dos dois buracos na máscara de boi, onça ou capeta e ouvir um grunhido e arrastado gemido “me dá um dinheirimmm...”
Sabem por que isto tudo? É porque muitos jamais se fantasiaram e tentaram se aproveitar de um pretenso anonimato para dar vazão às suas fantasias de um voyeurismo às avessas, de dentro para fora, para zoar com as caras dos amigos e, também, porque nunca saborearam o prazer de galopar e esporear a anca de um “tal”, movidos ou não por alguns goles de cachaça. E também, alguns outros que já se mascararam, mas que o fizeram levados por modismos ou deslumbramentos, sem jamais entender nada daquilo, até hoje.
Viva os Mascarados do Divino!
Niteroi, 31 de maio de 2011"
O poema “Boi Amarelinho”, sobre carro de bois, de Raul Torres, termina com o verso “... os óio que lá me viro, amanhã não me vê mais” e, também, “Das Qualidades de Cidadezinha do Interior”, de Marcus Cremonese, o verso "quero apenas um moto perpétuo de gemidos doces de carros-de-bois, mas daqueles de rodas maciças com dois buracos como olhos de bêbado” me inspiraram a participar deste blog.
Muito lhe agradeço a oportunidade de acompanhar os acontecimentos culturais de Pirenópolis, já que as raras oportunidades de estar presente me impedem maior aproximação. As notícias recentes, entretanto, me sensibilizaram bastante - a morte do José Reis e o tema “mascarados”, então!
Como velho, saudoso e aposentado mascarado, filho de João José, um dos mais carismáticos reis dos cristãos, que muito contribuiu para a perpetuação das Cavalhadas nos tempos mais difíceis, fico apreensivo com a regulação dos mascarados, pois o tiro pode sair pela culatra (os óio que lá me viro, amanhã não me vê mais). Vide o que aconteceu com os Desfiles das Escolas de Samba do Rio de Janeiro – a excessiva regulamentação e exploração turística e midiática, simplesmente assassinaram os desfiles de rua e o samba-raiz, dando lugar a um desfile comercial, elitizado, enquadrado e siliconado, onde o que mais abunda nada tem a ver com a tradição cultural. Aliás, os velhos cordões e blocos estão ressurgindo com a força de uma surpreendente vontade popular, cansada do processo de alijamento, e vem tomando conta das ruas do Rio de Janeiro, para desdém e aborrecimento daqueles que se dizem preocupados e usam como escudo a bagunça e o combate à sujeira deixada pela passagem dos blocos. Até parece... Ora, se sujou, basta lavar.
Sei que a preocupação com o problema do anonimato e dos excessos praticados por mascarados existe e não é fantasia, enumeram-se vários ao longo dos tempos. Mas, “Mascarados do Divino” sempre foi uma manifestação cultural, de festança, lazer e alegria que vem sendo perpetuada pelos jovens pirenopolinos, há 200 anos. As suas originalidade e autenticidade não encontram concorrentes.
Que me perdoem os corumbaenses que nada tem a ver com nossas discussões, mas “Mascarados de Corumbá” se transformar em referência, é dose. Não tenho nada contra eles, nem a favor! O meu mascarado ídolo era seu primo Luis Artur Curado (que postura, que luxo, que elegância) que todos sabiam quem era e que não fazia questão de se esconder. Agora..., mascarado com CPF, Chip, endereço, preferência sexual, código de barra? Já imaginaram se a mania pega? “Bonecos de Olinda” com outdoor de identificação? “Bumba meu Boi” com crachá pendurado no chifre?
Meus amigos! Há maneiras de se proteger a população contra a ação de vândalos e bandidos dispostos as se travestirem de “mascarados” com intuitos menores. Há, inclusive, exemplos de mau uso de mascarado até pelos poderosos da política local. Para combater, o Poder Público existe para isto! Aprontou? Cadeia neles.
Que não se culpe e não se pretenda, de forma preconceituosa, engessar uma das maiores, mais representativas, autênticas e espontâneas manifestações de cultura popular existentes no nosso país, quiçá, no mundo!
E o “transitado em julgado”? Desconheço integralmente os meandros jurídicos, mas sei que existem várias instâncias. Em todas elas a Prefeitura de Pirenópolis foi sentenciada a emitir alvará aos interessados em participar no “Mascarados do Divino”? Sem direito a defesa? Não acredito! Assim como temos que cumprir as decisões da Justiça, temos o direito de discordar e tentar reverter.
Não me tirem o direito de, durante a festa do Divino, olhar nos olhos bêbados de um mascarado, através dos dois buracos na máscara de boi, onça ou capeta e ouvir um grunhido e arrastado gemido “me dá um dinheirimmm...”
Sabem por que isto tudo? É porque muitos jamais se fantasiaram e tentaram se aproveitar de um pretenso anonimato para dar vazão às suas fantasias de um voyeurismo às avessas, de dentro para fora, para zoar com as caras dos amigos e, também, porque nunca saborearam o prazer de galopar e esporear a anca de um “tal”, movidos ou não por alguns goles de cachaça. E também, alguns outros que já se mascararam, mas que o fizeram levados por modismos ou deslumbramentos, sem jamais entender nada daquilo, até hoje.
Viva os Mascarados do Divino!
Niteroi, 31 de maio de 2011"