quinta-feira, 19 de maio de 2011

Um artista no sertão


     “Nascido Antônio da Costa Teixeira Nascimento, longe do litoral, em meio a serras e cerrado, é homem de muitos talentos, difícil mesmo de qualificar. Ganhou logo o apelido por ser irmão mais novo do padre Francisco Inácio da Luz, responsável por sua educação. Filho de músico, viu as luzes do mundo em 1827, em Pirenópolis, nas franjas do Planalto Central de Goiás, de onde nunca sairia. Atuou com desenvoltura em diversas áreas, sempre com formação informal: pintor, escultor, compositor, instrumentista na maior parte do tempo. Sua casa, ainda hoje existente em Pirenópolis, mostra várias pinturas por toda parte, nas paredes, no forro, janelas e portas. À luz de documentos recentemente descobertos, Tonico parece ter usado sua própria casa para ensaiar as pinturas que realizaria mais tarde na capela-mor da Igreja da Matriz, Nossa Senhora do Rosário. Primeiro no papel, depois nas paredes de casa, e só então no altar da igreja.

     Como marceneiro, produziu ainda móveis e oratórios e trabalhou na reforma da Igreja N. S. do Bonfim em 1887. O ganha-pão, garantiu-o como escrivão de órfãos (1872–1878) e oficial do fórum local (1882–1894). E, como músico, Tonico do Padre foi igualmente versátil. E é aqui que havemos de nos concentrar.

     Seus atributos como instrumentista (flauta e saxofone tenor), regente, compositor, arranjador musical e orquestrador são lembrados por diversos contemporâneos. Em 1867, começa a atuar na Irmandade do Santíssimo Sacramento, que no ano seguinte o nomearia responsável pela música instrumental dos eventos promovidos por ela. Um dado interessante é que a irmandade pagava pela produção musical de Tonico do Padre, uma raridade para a época. Em 1868 cria, ao lado do irmão, a Banda Euterpe e passa a ser diretor musical da Igreja da Matriz. Nela atua até o ano de 1897. Em 1872, amplia a atuação na irmandade. Além de responsável pela parte instrumental, passa a dirigir a parte vocal e ganha o título de Diretor Musical e Mestre de Capela.

     O temperamento de Tonico do Padre era difícil. Ofendeu verbalmente vários músicos da cidade e compunha mesmo músicas com o intuito de ultrajar algum desafeto. Certamente por isso, em 1898 seria atacado na porta da própria casa, a pauladas. O ataque teve sequelas graves, deixando-o preso a uma cama até falecer em 15 de fevereiro de 1903.

     A produção musical de Tonico do Padre é numerosa e diversificada. Escreveu obras sacras e profanas, vocais e instrumentais, para conjuntos maiores, formações menores e até para instrumento solo. Escreveu grande quantidade de missas, hinos, quadrilhas de dança, polcas, valsas, marchas. Musicou um drama, em 1891, Inconfidência Mineira ou Tiradentes. Utilizou formas musicais variadas e seu estilo é, para muitos, único e inconfundível. Pelo menos uma de suas composições, o Concerto dos sapos, é uma pequena obra-prima, quanto mais vista à luz do isolamento pirenopolino. A peça para banda de metais é uma antecipação da música incidental nascida no sertão de imagens monótonas; é uma retomada do espírito do poema sem palavras, das metáforas musicais apenas sugeridas.

(...)

     Mas certamente há ainda um segundo motivo para o esquecimento de Tonico do Padre. A história oficial não se sente à vontade para registrar vultos ou obras do interior do País. O País oficial é apenas um recorte do País geográfico. São mínimas, praticamente inexistentes, referências a compositores do Norte ou do Centro-Oeste. Tonico do Padre foi um músico do sertão e para quem olha de fora, não passa de um curiosum, um compositor-instrumentista caricato a macaquear a cultura dos grandes centros. Mas no sertão, talvez justamente aí resida seu maior mérito: produziu em condições adversas. Mais: produziu obras tecnicamente bem-acabadas, engenhosas e inventivas em condições adversas. Ou mudando o foco: promoveu o intercâmbio de ideias, num tempo de formação musical incipiente, em que o contato com obras de compositores de outras regiões era complicado. A genialidade de Tonico do Padre fica ainda maior por ter transcendido todos estes imperativos. Nosso compositor encontra-se no ponto exato do choque entre a cultura alienígena e o desejo de sua apropriação.

(...)

     O Brasil fez suas escolhas e o sertão não faz parte de sua história oficial. Ao querer fazer o País menor que suas fronteiras, menor que seu espaço, perdemos todos. Dar a conhecer ao País a história de personagens esquecidos é dever da academia que, recém-chegada, aos poucos se aclimata no sertão. Dar ao País a dimensão que ele tem significa coroá-lo com a diversidade qualitativa da brasilidade e sua arte. Significa, enfim, valorizar a multiculturalidade e a regionalidade do país-continente. Mesmo enfurnadas no sertão do nosso Tonico do Padre, são essas qualidades que conferem a nós, brasileiros, o complexo atestado da identidade.”


Escrito por Thaís Lobosque Aquino Ludovico e Wolney Unes

3 comentários:

  1. Oportuno esse seu artigo, pois nos lembra que a história "oficial" é escrita de acordo com a classe que domina. Como os Estados do sudeste são economicamente mais fortes, é através deles que a história do Brasil é contada. Mas no Centro-Oeste também há histórias, e as há magníficas, só falta um grande contador para narrá-las.

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  2. falam em tonico do padre, mas onde estáo suas músicas? onde estáo suas gravaçóes?

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  3. Nossa o hino do Divino por exemplo foi composto por ele!

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Adriano Curado