Batista Custódio,
no alto de sua sabedoria, destacou no panegírico ao Professor e
Deputado José Luciano no ano de 2000: “A
morte não mata só quem ela mata”. De
fato, o destacado jornalista tinha razão. Quando penso no
desaparecimento do cidadão Valdemar de Carvalho, ocorrido nesta
semana, este mesmo pensamento me povoa o cérebro. Com sua morte,
morremos um pouco nós todos, também.
Ao longo do caminho
vamos deixando em outras estradas desconhecidas, aqueles que
guardamos acalentadoramente na ternura do coração.
A morte não levou
somente Valdemar de Carvalho, o cidadão, o juiz, o causídico, o
estudioso, o pai de família, o devotado amigo. Levou muito de nós
que, sem ele, perdemos um pedaço bonito da vida. Perder um amigo é
fazer desaparecer um mundo de significação e de sentimentos que se
prendem ao irremediável nunca mais.
Sua emblemática
figura de homem despachado e alegre; risonho, espirituoso e
altaneiro, me vem ao pensamento agora. Conhecê-lo na intimidade de
sua casa e de sua família sempre me constituiu honra e mérito. As
muitas casas que teve eram cheias! Em todos os lugares que estava;
todos estavam juntos. Eram irmãos, cunhados, cunhadas, filhos,
netos, bisnetos, amigos, conterrâneos! Família alegre, festeira,
grande, convidativa, de mesa farta, abria-se à alegria do conviver.
E foram muito
felizes todos eles, até a última semana.
Fará muita falta ao
nosso coração e ao nosso sentimento cristão, a figura de Valdemar
de Carvalho, que era símbolo da comunhão.
Quando penso nele,
sinto uma saudade que é misto de muitas coisas. O amigo que se via
nas ruas de Trindade, ou de Corumbá, ou de Pirenópolis ou de
Goiânia. Sempre que nos via, parava para uma prosa. O seu sorriso
sempre significativo marcado por uma frase espirituosa, jocosa, ou
engraçada, trazia a marca da sua ascendência pirenopolina.
Junto falávamos
besteiras e coisas sérias. Tinha nele um amigo a quem confiar e
admirar. Quando o visitava na linda chácara de Trindade, o via
sempre sorrindo com aquela casa cheia, musical, afetiva e terna. Que
saudade!
Valdemar e sua querida Ecy em 1954. |
Faz falta um homem
assim alegre; assim realizado e feliz, nesses tempos bicudos de
agora! Valdemar de Carvalho fará muita falta no universo que
construiu em torno de si e que a morte levou com ele, a alegria
espontânea dos corações.
Teve por berço
amado a terra das Cavalhadas. Nasceu em Pirenópolis em 1929, filho
de Semíramis Mendonça de Carvalho e Emílio de Carvalho, de
tradicionais famílias locais, originárias de Mogimirim e Taubaté,
ambas no Estado de São Paulo e que vieram para Goiás nos idos do
século XVIII.
Valdemar de Carvalho
era descendente do Tenente João Floriano de Mendonça e Gouveia, que
viera do Julgado de Trahyras para Meia Ponte e esposou Isabel Maria
de Seixas. Dessa descendência, nasceu, em 1889, Semíramis de
Mendonça, que, em 1907 casou-se com Emílio de Carvalho, filho de
Joaquim da Costa Carvalho e Elvira Lopes Fogaça. Desse lar numeroso
em 1929 nasceu nosso querido e lembrado Valdemar de Carvalho.
Fruto do próprio
esforço, Valdemar de Carvalho muito lutou pelos estudos e pela
formação humanística e intelectual. Fez com brilhantismo o curso
de Direito na Faculdade de Direito de Goiás, onde aprendeu lições
grandiosas com os mestres daquele tempo. Aprendeu a ser sábio e
simples; arrojado e altivo, justo e direito, nas decisões do destino
alheio.
Em 1954 uniria seu
destino a uma extraordinária mulher – talvez a melhor pessoa que
já conheci na vida – Ecy Augusta Fleury Curado, depois Carvalho,
nascida em Morrinhos no ano de 1933, filha do professor, telegrafista
e músico Odilon Kneipp Fleury Curado e Antonia de Moraes Fleury
(Zica).
Ecy, com seu coração
generoso, sua excelsa bondade e seus gestos de renovado carinho e
atenção, foi a luz ao caminho de Valdemar de Carvalho.
Viveram juntos por
59 anos, quase chegando às Bodas de Diamante, que se dariam em
novembro próximo. Que pena!
Alegres e
expansivos, as casas que tinham em Goiânia, Trindade, Pirenópolis e
Corumbá eram reduto e aconchego para muitos. Na chácara urbana em
Trindade, construíram um belo sobrado, projetado pela filha Valéria,
e ali fizeram suítes a mais, para receber e acomodar os cunhados e
amigos, filhos e parentes, com a casa sempre cheia. Cheia mesmo, era
gente demais! E Valdemar com sua fidalguia ali estava feliz com seu
reino, sua vida tão plena!
Meu Deus, como dói
a saudade!
Com os cunhados Emê
Augusta e João Fleury de Amorim (Zico) tinham convivência
cotidiana. Eram inseparáveis. Enquanto tantos maridos desfazem laços
com os cunhados, Valdemar tecia longas teias de amor e afeto,
bonachão e alegre, recebendo e convivendo com todos, numa casa
calorosa, tépida e afetiva como em poucas vi. Havia fartura em mesas
sempre posta a quem chegasse.
Era a alma
pirenopolina desse grande homem que se expandia em sempre distribuir
o muito que a vida lhe deu. Passou pelo sofrimento da perda de uma
filha já adulta e casada. Fez da dor a doação, no auxílio da
criação da neta, órfã ainda criança. Acolheu seus filhos,
auxiliou-os na vida; acolheu genros e noras, amparando-os; acolheu
netos, ensinando-os, acolheu bisnetos, ninando-os.
Valdemar de Carvalho
foi aquele que viveu integralmente a letra da música religiosa: “Que
o homem carregue nos ombros a graça de um pai”. Que falta faz um
pai como este!
No longo sofrimento
da enfermidade que aos poucos o assolava, Valdemar de Carvalho
manteve-se sereno e confiante em Deus, em Nossa Senhora do Rosário
de Pirenópolis, em Nossa Senhora da Penha de Corumbá e no Divino
Pai Eterno da Trindade! Que a misericórdia de todos os santos o
tenha acolhido na altura de seu grande merecimento!
É muito triste
dizer adeus a um homem com Valdemar de Carvalho, meu amigo. Digo
apenas até um dia, pois a fugacidade da vida tem sido tanta que, em
breve, talvez, Deus permita nos encontrarmos.
E que no coração
de Ecy Augusta Fleury de Carvalho haja sempre um lírio branco de paz
e ternura, na saudade que perdura, infelizmente, na duração dos
dias. Deus a ilumine!
(Bento
Alves Araújo Jayme Fleury Curado). Professor Universitário da
Faculdade Aphonsiano de Trindade. Funcionário Público. Mestre em
Literatura pela UFG. Mestre em Geografia pela UFG. Doutorando em
Geografia pela UFG. Pesquisador. Escritor. Poeta.
bentofleury@hotmail.com