O blog Cidade de Pirenópolis deseja a você e sua família um ano novo com fartura de acontecimentos bons e bastante alegria.
Foto: “Mandala”, acervo do Iphan. Artesanato das artistas plásticas pirenopolinas Lunildes e Marta Lobo.
Os casarões históricos de Pirenópolis têm muitas histórias para contar. Através de suas portas adentraram homens e mulheres que fizeram a história do Estado de Goiás. Pelas suas janelas correu o tempo em molduras de aroeira centenária. Por muitos e muitos anos os casarões permaneceram assim, intocados e conservados tal qual os deixaram nossos antepassados. Mas a cidade cresceu, o modernismo trouxe inovações e uma nova visão do belo. Então derrubaram diversas casas antigas para erigir os mais bizarros e discutíveis estilos; foi quando perdemos prédios importantíssimos para nossa história, a exemplo da bandeirante Estalagem, que ficava na rua Direita, na Baixada da Égua.
Casarão original e preservado na rua Direita
Com o tombamento do conjunto arquitetônico do Centro Histórico, essa onda de demolições foi freada, mas muita coisa já havia se perdido. Esse tombamento (lançamento do imóvel no livro de tombo) não salvou de todo nosso acervo, pois muitos acontecimentos ruins ainda ocorreram após o ato. Houve desastres acidentais, como o incêndio na igreja Matriz, e provocados pelo homem, tal qual a mutilação das fachadas para abrigar lojinhas de artesanato.
Telhado original de casarão na rua Nova
Chegamos ao absurdo de considerar casarão colonial tudo aquilo que tivesse uma porta e janelas de madeira. Paredes de adobe ou pau-a-pique vieram ao chão e foram substituídas por outras de tijolo furado (moradia de cupins), assoalho de tábuas e tijolinhos de barro trocados por cerâmicas modernas, esteios e baldrame de aroeira substituídos por vergalhão e concreto.
Mercado S. José, prédio do século 19, originalmente de adobe e aroeira, demolido e reconstruído com vergalhão de aço e tijolo de concreto
Outra moda ruim que se estabeleceu em Pirenópolis foi a de deixar desabar velhas casas. O sujeito compra um casarão, deixa virar tapera e nas primeiras chuvas tudo vem ao chão. Isso aconteceu este ano com um imóvel bem antigo no centro da cidade e que, extensão dos estragos, mereceu uma matéria neste blog (postagem dia 26.11.2010), uma das mais comentadas.
Casarão na rua Santa Cruz, esteios de aroeira e adobe originais
Aceitem os que possuem casa antiga em Pirenópolis que a aparência dos casarões é tosca, suas paredes são originalmente tortas (embora bastante seguras), sua estrutura de adobe e pau-a-pique é ideal para encaixar nos baldrames de aroeira e seu assoalho de pranchões vale mais que os modernos pisos descartáveis.
Casarão que desabou na rua Matutina é exemplo do descaso com o patrimônio histórico
Recentemente, no entanto, descobriu-se o valor da originalidade, com a valorização do adobe, da aroeira e demais características das casas dos séculos 18 e 19. Essa conscientização foi muito boa para a preservação dos casarões pirenopolinos e deu-lhes um pouco mais de sobrevida, no aguardo de que, num futuro ainda distante, seus habitantes aprendam que, não importa em que tempo vivam, a história sempre será contata através dessas velhas portas e janelas.
A presença do baldrame de aroeira é sinal de originalidade
Preciosos são os patrimônios material e imaterial de Pirenópolis. No material se incluem as edificações antigas (casarões, igrejas, prédios públicos), o conjunto arqueológico (resquícios das velhas lavras bandeirantes, as ruínas do Abade), as cachoeiras etc. Patrimônio imaterial são as manifestações culturais, como as Cavalhadas, as Pastorinhas, as procissões etc. O somatório de tudo isso é que representa o inventário patrimonial de um povo. Por aí se mede a riqueza de uma região e seu potencial turístico.
Preservar nossa cultura e tradição é salutar para a sobrevivência da cidade. Falta uma disciplina nas escolas locais que ensine a criança a ser pirenopolina. Recebi outro dia um e-mail de um garotinho em agradecimento pelas informações postadas neste blog, e me dizia ele que não sabia quem eram as personagens das biografias (aí incluso o pintor Pérsio Forzani), nem que aqui se chamou um dia Meia Ponte. Pode?!
A falta de conhecimento das crianças de hoje, no que diz respeito à história e cultura local, põe em risco o futuro e ameaça um dos nossos maiores tesouros, que é a espontaneidade. Pirenópolis é diferente porque suas festas não são espetáculo para turista ver, a população vive com entusiasmo cada manifestação cultural. As famílias se sentem orgulhosas quando uma moça do clã se apresenta nas Pastorinhas, os rapazes seus saem de Mascarado ou compõem o seleto time das Cavalhadas. E não só isso. Têm também as procissões, a Banda Fênix, a de Couro, a Festa dos Pireneus, da Capela etc.
Manter vivas essas manifestações se torna mais difícil a cada ano. E isso ocorre porque falta conscientização do significado de ser “pirenopolino”. A título de exemplo, observe que o número de Mascarados com máscara de boi, uma tradição exclusiva de Pirenópolis, diminui a cada ano. E o que é pior, são substituídos por indecentes transformistas seminus, com o corpo besuntado de graxa, que saem por aí no afã de infernizar a festa alheia. A situação tomou uma proporção tal, que virou caso de polícia. Em 2009 essas pessoas saíram pelas ruas da cidade com uma frauda que mal lhes escondiam as partes íntimas e foram parar na Delegacia de Polícia por ato obsceno. Para evitar que isso se repetisse, em 2010 vestiram um calção, porém meteram uma máscara de pano na cabeça e, com o corpo sujo de graxa, abraçavam quem encontrassem pela frente, além de se esfregarem nas paredes das casas. Isso é cultura?!
Já é tempo de elaborar um inventário cultural da cidade, com vasto acervo focado em pesquisas documentais e depoimentos orais, fotografias, filmagens etc. Nos ensinos médio e fundamental, os alunos terão acesso ao conteúdo desse material e se conscientizarão da importância de manter intactas as tradições que receberam daqueles que os precederam.
by Adriano César Curado
Eu espero que a cidade de Pirenópolis cresça sempre, mas preserve-se, melhore sem modificar sua essência, amplie-se com responsabilidade e planejamento. Sei que não podemos estagnar no tempo, voltar aos primórdios, quando tínhamos poucas ruas no centro e alguns casebres na periferia. A população pirenopolina aumentou bastante nos últimos anos, deu um salto quantitativo e obrigou a cidade a se estender por lugares antes inabitáveis. Esse aumento populacional se deve, obviamente, ao sucesso do empreendimento turístico. A cidade se torna mais visitada porque aparece em novelas, filmes, documentários, é cantada em música ou descrita em livros. Não é raro ver ônibus de excursões no meio da semana, realidade bem diferente de outras décadas, quando apenas as festas atraíam turistas para cá. Agora tem público todo dia.
Pirenópolis precisa se organizar melhor para receber esses visitantes e ao mesmo tempo manter sua qualidade de vida e preservar sua história e natureza. Não é bom que se construa nos morros que circundam a cidade, pois isso quebra a harmonia do conjunto – faz bem para o pirenopolino olhar, por exemplo, para a região do Frota ou do Santa Bárbara e interagir com o verde onipotente da natureza. Também não se deve edificar nas margens do Almas e córregos que cortam a zona urbana, já que exemplos da resposta da natureza estão todos os dias no noticiário mundial.
Cadê o Plano Diretor? Porque não o publicam e distribuem gratuitamente? Temos que conhecer nossos limites e caminhar com organização e responsabilidade. Não é em qualquer lugar que se pode construir. Nem se deve desrespeitar as regras do tombamento do nosso conjunto arquitetônico. Por outro lado, os responsáveis por fazer cumprir tais regras precisam sair dos gabinetes e interagir mais com a população, conscientizar, ceder em alguns itens para que todos ganhem no conjunto final.
Tenho cá comigo esperança no futuro de Pirenópolis. Sobrevivemos a tantos revezes, isolados e à própria sorte, que seria irônico desaparecermos nestes tempos modernos. Quando digo desaparecer, obviamente, falo do fim do pirenopolino autêntico, que tem no espírito aquele arrepio esquisito cada vez que ouve a banda Fênix ou o soluçar dos sinos das igrejas. Do contrário, seremos apenas fantoches para turista ver, a exemplo de muitos lugares por este Brasil afora.
Este blog é um espaço de esperança. Cada matéria que aqui publico tem a finalidade de salvar um pedacinho da velha Meia Ponte, de acrescentar em vez de destruir, para que as gerações futuras herdem de nós o ouro reluzente do preciosíssimo tesouro cultural.
by Adriano César Curado
A Academia Pirenopolina de Letras, Artes e Música prestou aos negros de Pirenópolis uma homenagem, ao introduzir o professor Manoel Hermano da Conceição entre os seus patronos. Hermano era filho da Luzia, uma ex-escrava muito pobre que morava na rua Direita.
No meu tempo de menino aqui em Pirenópolis, toda casa tinha presépio, e no Natal todo mundo pintava a frente da casa, capinava as calçadas – eu mesmo capinei muita calçada para ganhar um mil reis e juntar um cobrinho para a noite de Natal. Havia presépios chiques, como o de dona Sinhá de Félix, de Sinhazinha de coronel Luiz Augusto, de dona Sinhá de Quim Gomes, de dona Lalá de Propício, Chico de Sá, Cristóvam de Oliveira – um presépio de Odilon de Pina tinha um monjolinho trabalhando o tempo todo, jogando água pelo calabouço.
Montagem da árvore de Natal em frente à Matriz
E havia o presépio das pessoas pobres, que não podiam comprar animais de celuloide. Luzia, mãe de Hermano, era uma dessas coitadas, mas que montava seu presépio todo ano. Era um ranchinho com o menino Jesus, Nossa Senhora, São José e o jumentinho. Como ela não podia comprar bichos, enchia o vazio com latas de marmelada Peixe e Colombo, plantadas com arroz semeado de véspera. Era aquele verde belíssimo, com Jesus lá no meio do arrozal, deixado na manjedoura.
Luzia espalhava pelo presépio maracujá, espiga de milho, algum doce raro, uma fruta temporã. Sabe para quê? Vender para a gente. Mas ela nunca falava vender, sempre trocar por dinheiro. E esse dinheiro era para comprar o azeite dos candeeiros que iam iluminar o presépio do dia 25 de dezembro a 6 de janeiro, dia de Reis e data de desmontar presépio. Toda noite havia reza do presépio de Luzia.
Este texto foi baseado numa parte do discurso do professor José Sisenando Jayme, de saudosa memória, pronunciado na fundação da Aplam, no dia 16.4.1994. Naquela memorável noite no Hotel Quinta Santa Bárbara, José Jayme narrou de improviso a biografia de todos os patronos da Academia. Como eu tinha em mãos um gravador, aproveitei para registrar o histórico evento. Quem quiser uma cópia de seu discurso, é só entrar em contato comigo.
As chuvas se firmaram, fortes e sem trégua, marcam o início da estação das águas. Ao mesmo tempo em que o Cerrado se abre em flor, recepciona a dádiva que despenca do céu na forma de bênção líquida.
A cair na região da serra dos Pireneus essa chuva toda se infiltra no chão duro do Cerrado e escoam até um colossal reservatório d’água subterrâneo, para depois essa mesma água escorrer por delicadas artérias e brotar nos olhos-d’água das nascentes nas veredas de buritis.
É o divisor de águas do Planalto Central do Brasil. Do lado sudeste, as nascentes compõem o rio Corumbá, que desagua no Paranaíba, segue pelos rios Grande, Paraná, da Prata, e por fim o oceano Atlântico, entre a Argentina e o Uruguai.
Do lado oeste, as águas formam o rio das Almas, que corta Pirenópolis ao meio e segue para noroeste na direção da bacia do Tocantins, que desagua ao norte do Brasil, foz da ilha de Marajó, no rio Amazonas, depois no oceano Atlântico.
E é tão abençoada por Deus esta Terra dos Pireneus, que por todos os lados jorra abundante, numa hemorragia de vida, esse líquido precioso que desaba por cachoeira espumosa, escorre entremeio as pedras que os bandeirantes escavaram e, num saudoso adeus, vão-se embora por este rio das Almas afora.
De pé (esquerda p/ direita): Francisco Ayres, Antônio Ramos Caiado, ?
Sentados: Luiz Gonzaga Jayme, Eugênio Rodrigues Jardim,
Hemenegildo Lopes de Moraes e Olegário Pinto.
|
Faixa negra na frente do grupão
O Colégio Estadual Joaquim Alves de Oliveira, que os pirenopolinos carinhosamente apelidaram de Grupão Amarelo, fica na praça da Matriz, bem na esquina. Antigamente ali ficava o casarão que pertenceu a Absalão Lopes, proprietário da fazenda Babilônia.
Recentemente estenderam uma faixa preta com a afirmativa de que o colégio faz parte do patrimônio de Pirenópolis. A princípio não entendi do que se tratava, mas ao ler um artigo de Uiara Pereira de Pina, no Diário da Manhã, dia 29.11.2010, intitulado “E mais uma vez, o que só Pirenópolis pode mostrar!”, é que passei a notar na gravidade do assunto. Segundo Uiara, o colégio será desativado e transformado em um centro cultural. Não entendi bem o que quer dizer “centro cultural”, mas o simples fato de despejar o colégio daquele prédio não me parece correto.
O mesmo ângulo da fotografia do casarão
Eu estudei no Grupão Amarelo por muitos anos, quando cursava o antigo primário (hoje ensino médio), e até trepei numa das árvores do pátio para escapar duma vacinação em massa, daquelas com pistola de ar, que mais tarde foi banida por espalhar doenças.
Em minha memória estão muitas histórias ocorridas nos corredores do colégio, e tenho certeza de que praticamente todos os pirenopolinos com menos de cinquenta anos passaram por ali. O Joaquim Alves é da década de 1950, e antigamente era pintado com a cor padrão da Secretaria de Educação, um amarelo meio açafrão, daí ficou o nome Grupão Amarelo.
Escrevo estas linhas com base no diz-que-diz que rola por Pirenópolis e na artigo de Uiara de Pina, mas não sei bem a extensão dos acontecimentos. Se alguém tiver mais notícias, por favor, avise-me para que possa atualizar a página e esclarecer melhor a população.
Pirenópolis, plácida cidade
de vetustas igrejas, seculares,
goza de edênica tranquilidade
entre jardins mimosos e pomares.
Silente e calmo vai passando o dia
enquanto, quieto, o povo seu labuta.
E na mudez que o espírito alivia,
alguma voz de pássaro se escuta:
foto-pagou – em cima do telhado,
bem-te-vi – na rama do coqueiro.
E lá na torre do sino compassado
fere o tempo, sem dó, o dia inteiro.
Mas quando chega a festa do Divino,
é que se vê a animação do povo:
costureiras folheiam figurinos
e casa moça quer vestido novo.
Cedinho se ouve o ronco da zabumba
– tradição que não fica esquecida
e também a roqueira que retumba
nos cantos da cidade adormecida.
Começam as novenas fervorosas
e a Matriz se aprimora em luz e flores.
Pelos altares, os jasmins e rosas
misturam com o incenso seus olores.
Terno, o Hino do Divino, comovente,
na alvorada se escuta com emoção,
ascendendo um fervor em toda gente
e despertando uma recordação.
Mascarados de pândegas proezas
põem em polvorosa a meninada...
Não existe lugar para as tristezas
durante essa festiva temporada.
Na hora das brilhantes Cavalhadas
cristãos e mouros passam imponentes
com as lanças de fitas enlaçadas,
capacetes e espadas reluzentes.
E pelas ruas vão-se desfilando
– ruas com bandeirolas enfeitadas,
enquanto seus cavalos empinando,
tiram chispas de fogo nas calçadas.
Meninos passam a assoviar, ligeiros
com doces e confeitos em pacotes,
biscoitos e pastéis nos tabuleiros
que vão levando para os camarotes.
Terminadas que são as Cavalhadas
e o reinado dos reis e rainhas,
há mais duas esplêndidas noitadas
das lindas e graciosas Pastorinhas.
E para completar tantas belezas
dessa festa atraente e decantada,
há a boia farta e as vinte sobremesas
da Pensão Padre Rosa, tão falada.
Finda a festa, o sossego prazenteiro...
Na torre – o sino grave, compassado;
bem-te-vi na ramagem do coqueiro;
fogo-pagou – em cima do telhado...
Poema de autoria do poeta pirenopolino Euler de Amorim, de saudosa memória, publicado no livro “Pirenópolis em Versos”, Edição do autor, 2002, ps. 15/6.