Divirto-me com os amigos que me dão conta de seu quase desespero ante o dever de estarem em casa, cumprindo o isolamento imposto pelos riscos de se contrair essa doença “chinesa”. Cada qual tem um modo de reagir, de encher o tempo, de buscar afazeres para que as horas “passem depressa”. Muitos se dizem angustiados com esse ócio obrigatório e conseguem produzir peças cômicas ante as restrições da vida nestas últimas semanas, mas há os que se mostram criativos e inquietos. Estes, acho eu, sofrem menos.
Ou não sofrem. Afinal, fortalecer rotinas comuns, como procurar limpar com mais rigor espaços e móveis, estantes e armários são ações para os primeiros dias. Mais difícil é abrir caixas de há-muito fechadas com velhos papéis e objetos, vistoriá-los para uma seleção que nos induz a preservar o mínimo e desfazer-se do máximo possível.
Escolhi isso, mas somente no segundo dia. Por incrível sorte, ou coincidência, na primeira caixa encontrei um sem-fim de papéis que me trouxeram notícias de fatos vividos e feitos realizados de que não mais me lembrava. Desse volume, eliminei cerca de vinte por cento dos papéis, e regozijei-me com boa parte deles – recortes de jornais, velhos escritos não publicados, cartas e bilhetes, recados...
Na segunda uma relíquia: nada menos que 23 pequenos quadros – desenhos do artista Rossevelt de Oliveira – o Roos – que guardei desde a última mudança, há cinco anos. Separei-os para aplicá-los com zelo e carinho na parede, feito uma homenagem ao amigo que se foi há tempo ainda breve, deixando-me, ainda outras molduras que me impedem a tristeza, bem como muito de sua arte em capas de livros meus.
E leio muito. E discuto nas mídias sociais, e digo de amor e amigos nas redes, e arrumo estantes, e separo livros e leio – hoje mesmo, esta quinta-feira 2 de abril, abrirei mais um livro, o quinto destes vinte dias. Ah! E tenho também as alegrias no quintal: cuidar, meio desleixado, da gatinha visitante que pela segunda vez veio parir no meu quintal. Os quatro filhotes de agora nasceram no carnaval, há pouco mais de um mês, e totalizam sete com que nasceram no meu aniversário do ano passado.
Esta sexta-feira será dedicada em boa parte ao quintal, de novo. Quero cuidar de algumas plantas que exigem atenção, considerar a extensão do gramado e o plantio de novas espécies, bem como fazer algumas podas. De volta a casa, as estantes para cuidar, também – limpar e rearrumar, eliminar excedentes e observar os de que poderei dispor para doação, também.
E volto aos amigos desesperados. Tem o que se recusa a ficar em casa – para justificar suas saídas, ofereceu-se para fazer compras em supermercados, farmácias e feiras para os vizinhos. Tem a que se voltou para trabalhos artesanais como costura e bordado, restaurando roupas, como calças e vestidos, e ornamentando velhas blusas. Tem quem realize “lives” cantando e tocando e os que declamam poemas. E os que vemos nas janelas do Brasil inteiro, realizando um belo feito de relação com a vizinhança.
E, do lado mais triste, as famílias surpreendidas com pessoas contaminadas, com os que estão internados e os que não resistiram. Aos que perderam seus amados fica uma tristeza ainda maior que a comum, pois que velórios são impedidos – para que o vírus não se propague ainda mais – e os sepultamentos acontecem de modo sumário.
Menos para alguns moradores de Juruti, uma cidade a 1.580 km de Belém, no interior do Pará. Lá, o advogado Claudionam– faleceu e suspeitou-se do famigerado vírus que assola a humanidade. Mas após o sepultamento sem cerimônias saiu o resultado – a causa mortis não foi o Corona Vírus – https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2020/04/02/corpo-de-advogado-e-retirado-de-tumulo-ao-testar-negativo-para-covid-19.htm.
A família, então, sentiu-se no direito de exumar o corpo e realizar o lamentado velório; logo após, procedeu ao sepultamento, com as honras que o extinto merecia.
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Luiz de Aquino, da Academia Goiana de Letras e da Academia Pirenopolina de Letras, Artes e Música
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