A festa em louvor ao Divino Espírito Santo é uma manifestação cultural de cunho religioso que se popularizou em diferentes regiões ocidentais europeias a partir da Idade Média. Celebrada cinquenta dias após a Páscoa, comemora a descida do Espírito Santo sobre os apóstolos. Na liturgia Católica, essa festa é chamada “Pentecostes”.
A festa do Divino foi introduzida no século XIV em Portugal pela rainha dona Izabel de Aragão, casada com o rei dom Diniz.
No Brasil esses festejos serviram de artifício de encantamento para amenizar choques culturais. De um lado, as tradições dos índios e dos brasileiros mestiços, do outro a intenção da Igreja Católica de catequizá-los de maneira branda, sem maiores dissabores.
Com a vinda da família imperial para o Brasil, em 1808, as festas populares receberam apoio oficial e até incentivo. Entre elas a Festa do Divino. A representação teatral da monarquia era um estratagema eficiente de se semear, na mente da população, a importância da existência da realeza.
Na cidade de Pirenópolis, em 1819, vamos presenciar o primeiro registro localizado por Jarbas Jayme da Festa do Divino. A escassez do ouro alterou profundamente a sociedade local, com a diminuição do número de habitantes e impacto na economia. Chamava-se Meia Ponte e situava-se estrategicamente nas rotas comerciais imperiais. Era também o segundo núcleo urbano da província e tinha uma boa infraestrutura composta de prédios públicos, biblioteca, templos amplos e casarões sólidos. Sua importância para Goiás e o Brasil, naquela época, certamente está associada aos empreendimentos comerciais do comendador Joaquim Alves de Oliveira.
É nesse contexto social que surge a Festa do Divino, comemoração de destaque entre os festejos locais, que tomou contornos peculiares e regionais firmados no sincretismo.
O pirenopolino sempre foi festeiro e alegre, e doou-se espontaneamente ao envolvimento com os preparativos das festividades. Surge então entre os membros da comunidade a figura solene do Imperador do Divino, sorteado entre diversos candidatos, com a responsabilidade de arcar com o grosso das despesas, embora recebesse diversas doações e mais a colaboração das folias, que são rituais peditórios de esmolas. É a figura central da festa, tem assento ao lado do sacerdote na igreja e destaque nos meios sociais.
Aos poucos a festa agregou elementos de outras manifestações folclóricas e ganhou aspecto grandioso. Temos o cortejo imperial solene, com cordões de virgens, banda de música, congo, congada. Há também levantamento de mastro, queima de fogueira, alvoradas com as bandas de música e de couro, queima de fogos, retretas, tocatas na porta da igreja, zabumbas etc.
No início do século XX, a Festa do Divino englobou a festa dos pretos, que são os reinados e juizados, e surgiu uma festa dentro da festa.
O engrandecimento da Festa do Divino, no entanto, ocorreu com o início da encenação das Cavalhadas de Pirenópolis, que se apresentaram pela primeira vez em 1826. Era a festa do Imperador Pe. Amâncio da Luz, um homem de destaque na política e na cultura pirenopolinas. Até então a coroa era de madeira, mas ele mandou fazer, de prata, tanto a Coroa do Divino quanto o cetro atuais, que já têm 186 anos.
Embora seja desconhecida a origem da figura dos Mascarados, provavelmente eles estavam presentes nas primeiras cavalhadas. Representam a alegria. Usam roupas coloridas, cavalos enfeitados, falam em falsete para evitar a identificação de sua pessoa. É o povo que se diverte. O coronel lá no alto do camarote não pode impedi-lo de se apresentar, porque o anonimato o protege.
Sobre o teatro de revista “As Pastorinhas”, a peça foi trazida a Pirenópolis pelo telegrafista nordestino Alonso Machado e apresentada pela primeira vez em 1922. Alonso, no entanto, não quis doar o texto e as músicas para a cidade, então o maestro Joaquim Propício de Pina e José Assuério copiaram o auto escondido e, apesar da partida do telegrafista, a encenação foi incorporada aos festejos do Divino e é apresentada até hoje.
A modernização da Festa do Divino se deu com o sorteio de Geraldo de Pina, em 1969, que era deputado federal e tinha influência em Brasília. Ele foi o responsável pelo novo fôlego da festa, ao promover o início dos festejos com bastante barulho (alvoradas, zabumba e apresentações da Fênix). No dia 24 de maio, sábado do Divino, foi feita uma queima de foguetes que ficou na história, com uma girândola de 10 mil tiros, além de fogo de artifício e disparos de ronqueira. Centenas de meninas vestidas de branco saíram do casarão de seu pai, Lulu de Pina, no rumo da Matriz.
Devido à influência de Geraldo como deputado federal, Pirenópolis se tornou conhecida por Brasília e foi “invadida”, pela primeira vez, pelos turistas. Isso só foi possível porque, no plano de revitalização da festa, Geraldo tomou a corajosa decisão de puxar a primeiro dia das Cavalhadas para o domingo, e, daquele ano em diante, os turistas puderam assistir pelo menos um dia de apresentação.
Hoje a Festa do Divino de Pirenópolis tem repercussão mundial, embora não deixe de ser uma festa tipicamente pirenopolina. É a espontaneidade do povo em fazer acontecer os festejos que a torna autêntica e imortal.
Ao dar o título de patrimônio cultural imaterial do Brasil à Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional certamente implementará políticas para sua proteção, com medidas que a salvaguardem dos problemas que possam colocá-la em risco.
Manter acesa e viva a Festa do Divino de Pirenópolis é um desafio constante. Mas uma tradição que já dura pelo menos 194 anos não perecerá. Ela será eterna e pulsante enquanto houver um pirenopolino disposto a doar um pouco de si em prol do coletivo.
Adriano César Curado
Fonte:
ALMEIDA, Renato. Cavalhadas dramáticas. Folclórica – Revista do Instituto Goiano do Folclore, Goiânia, n. 3, ano 2, 1973.
ALVES, Luiz Antônio. Pirenópolis: Festa do Divino. Cultura – Publicação do Ministério da Educação e Cultura. Brasília, ano I, n. 2, 1971.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Cavalhadas de Pirenópolis. Goiânia: Oriente. 1974.
CARVALHO, Adelmo. Pirenópolis, história, turismo e curiosidade. Goiânia: Kelps, 2000.
CURADO, Glória Grace. Pirenópolis, Uma Cidade para o Turismo. Goiânia.: Oriente. 1980.
JAYME, Jarbas. Esboço Histórico de Pirenópolis. 2 v. Goiânia: UFG, 1971.
PEREIRA, Niomar; VEIGA JARDIM, Mara Públio de Sousa. Uma festa religiosa brasileira: festa do Divino em Goiás e Pirenópolis. São Paulo: Conselho Estadual de Artes e Ciências Humanas, 1978.
PINA FILHO, Brás Wilson Pompeu de. Folclore Goiano: Festa do Divino em Pirenópolis. Aspectos da Cultura Goiana. Goiânia, v. 2, 1971.
SILVA, Mônica Martins da. A Festa do Divino. Romanização, Patrimônio & Tradição em Pirenópolis (1890 – 1988). Goiânia: Agepel, 2001.
SIQUEIRA, Vera Lopes de. Tradições Pirenes. 2ª edição. Goiânia. Kelps. 2006.
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