quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

A bela moça triste

Pintura de Gianni Strino
No amplo solar da família, todas as tardes a herdeira do Comendador caminhava de cabeça baixa, olhos fixos no assoalho de tábuas, passos lentos de desânimo. E o motivo de tamanho desalento não podia ser outro: um casamento arranjado. Ela era bela. Muito bela. Chamava-se Mariana, tinha 16 anos, era pianista e bordadeira, falava francês e declamava Shakespeare. Tudo como convinha a uma moça casadoira.

Quando passou, a barra do seu vestido roçou no rosto de Joana, uma escrava da mesma idade que ela e igualmente com um drama parecido. Só que para a escrava era ainda pior, pois sangrara recentemente e se tornara mulher, e agora seria destinada à ala de reprodução da fazenda para engravidar e dar mais rendimentos ao Comendador.

Num domingo, quando o capelão foi celebrar missa na capela da fazenda, Mariana expôs em confessionário para ele seus temores. Ele a ouviu em silêncio e ao final lhe disse para ter calma, pois Deus poderia se sensibilizar com suas lágrimas e alterar repentinamente todo o curso daquela história. Quando chegou a vez de Joana se confessar, e essa era das poucas ocasiões em que brancos e negros se igualavam, o religioso lhe disse as mesmas palavras.

Passou o tempo, as duas jovens continuaram muitos próximas, embora nunca se vissem. Mariana porque estava sempre absorta em seus devaneios. Joana por lhe ser terminantemente proibido olhar para os brancos sem consentimento.

Ocorre que o destino às vezes nos leva para distante do rumo planejado. A vida segue pelo leito estreito da história previamente traçada mas um desvio nos embica para outras paragens. E assim aconteceu naquela fazenda. Certa manhã, inesperadamente, o Comendador sofreu um mal súbito do coração e morreu. Neste momento, o destino de todos ali sofreu grande alteração. Sem condições de tocar a fazenda sozinha, a viúva vendeu tudo, inclusive os escravos, e se mudou com Mariana para a cidade. Só levou mesmo a jovem Joana para servir nas prendas domésticas.

Foi a primeira vez que as duas moças sorriram.

Adriano Curado

Conto resumido extraído do livro O tapuia que não falava português.

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