Sebastiana nasceu escrava
da senzala do comendador. Quando ele morreu, entre seus bens
semoventes estava lá a declaração de que possuía a escrava. Sua
mãe se chamava Zulmira e era uma serva de lidas domésticas.
Trabalhava como cozinheira, faxineira, camareira etc. E por conta
desse seu trabalho, Sebastiana cresceu dentro da casa-grande,
entremeio aos filhos do comendador. Zulmira foi até ama de leite de
um deles, o Frederico, que mais tarde herdaria os bens do pai.
Estamos no princípio de
1870, já nos acordes finais da Guerra do Paraguai, mas o conflito
foi o suficiente para matar dois dos três filhos do comendador.
Pouco tempo depois o velho morreu de desgosto e Frederico se tornou
senhor absoluto da fazenda. Sua mãe era uma mulher muito boa chamada
Agripina, e quando o esposo faleceu ela se mudou para a rua. Nunca
mais voltou à fazenda. Levou consigo as escravas Zulmira e
Sebastiana para cuidar do casarão.
Dona agripina viveu
bastante, quase noventa anos, mas nos acordes finais da existência
estava bastante senil. O filho aparecia de vez em quando, recomendava
cuidados especiais com a mãe, acertava a conta com o boticário e
retornava para a fazenda.
Na entrada da década de
1880 faleceu Zulmira. Sebastiana então ficou sozinha no trato com a
senhora doida e na administração da casa. Durou oito anos essa
peleja, até que, certo dia, os sinos das igrejas amanheceram
festivamente sonoros. Ninguém entendia a princípio o que se
passava, mas logo a notícia correu. Estava abolida a escravidão.
Sem o esforço gratuito
dos seus servos, Frederico foi forçado a vender a fazenda e a se
mudar para a cidade. Ao chegar, encontrou Sebastiana a dar
carinhosamente comida na boca de Agripina.
― Que é que você faz
aqui? Não soube que todos agora estão livres?
― Soube sim, seu
Frederico.
― Então por que não
se foi ainda?
Sebastiana pensou por um
tempo, olhou para a idosa que aguardava ansiosa a colherada de sopa e
respondeu:
― Não quero partir.
Estou já velha, não tenho para onde ir. E gosto daqui. Se o senhor
concordar, eu fico aqui na casa.
Frederico concordou. Sua
mãe morreu cinco anos depois. Ficaram os dois, ele e a velha
Sebastiana, no casarão que ninguém visitava. Solitário e arredio,
não casou e nem teve filhos esse Frederico. E quando a gripe
espanhola o atingiu em 1920, antes de morrer doou a casa à escrava.
Sebastiana morreu com 109
anos de idade, bem lúcida e alegre. Gostava de ficar debruçada
sobre o parapeito da janela e contava histórias da escravidão aos
que passavam. Ela não tinha herdeiros, então a municipalidade ficou
com a casa velha, que ruiu com o tempo e no lugar construíram uma
escola.
Só decidi relembrar essa
história porque Sebastiana não
quis partir.
Adriano Curado
Lindo, Adriano! Uma bela história, contada com carinho e sabedoria. Faça uma visita ao meu blog (http://mg-perez.blogspot.com.br/). Será um prazer recebê-lo. Um abraço e um lindo dia!
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