sexta-feira, 19 de agosto de 2016

A salvaguarda da cultura

É bem natural que um povo perca aos poucos parte de sua cultura. Surgem novos elementos que se agregam ao anterior, modificam seu conteúdo ou até o exterminam. Pode ocorrer também que uma cultura de cunho religioso se extingua porque, por exemplo, aquela parte do culto foi abolida. Neste último caso menciono uma bonita procissão em que se fechava a porta do templo e o povo cantava de fora para que a abrissem.

Mas a alteração cultural não pode existir além da conta, sob pena de asfixia e morte de todo o sistema. 

Em nossa terra há exemplos de pequenas modificações que incomodam mas não têm o poder de destruir. Cito um ritual dos cavaleiros das Cavalhadas onde o subordinado deve ir buscar o superior em sua residência, e assim respectivamente até que todos juntos vão ao encontro do rei. Desde de tempos remotos se fez assim. Mas há alguns anos modificaram isso. Agora marcam encontro nas sombras em frente da Matriz e de lá se dirigem para o campo dos embates. Coisa pouca essa mudança, provavelmente inventada para poupar cavaleiros e animais.

Imperador Geraldo de Pina coroado dentroda Matriz em 1969.
Uma alteração perigosa, no entanto, foi a proibição da Igreja Católica de que o Imperador do Divino adentrasse na Matriz com a coroa na cabeça. Essa inovação veio da tumultuada época do padre Joel de Oliveira, seu inventor, e foi homologada pela Diocese de Anápolis. Antes, muitos se lembram disso, era comum o festeiro subir coroado até o espaço a ele destinado, à direita do celebrante, e só ali, para seu conforto, caso quisesse, depositaria a coroa em um local destinado a esse fim. 

Qual o problema dessa proibição? A resposta está na constante tentativa da Igreja de intervir na parte profana da Festa do Divino. Isso vem de longa data, só que antigamente o povo era mais corajoso que hoje e não aceitava tais intervenções. A Igreja quer diminuir a influência da coroa sobre a população porque ela é uma peça entronizada (elevado ao patamar do trono, como as relíquias sagradas e os santos). Mexer na relação entre o pirenopolino e a coroa pode ser um tiro no pé porque tem forte chance de abalar para sempre a espontaneidade da festa.

Esses são apenas alguns exemplos de alterações no modo de o povo manifestar sua arte, crença etc.

Com o fim de ser a salvaguarda da cultura pirenopolina, vem aí uma nova entidade. Trata-se da Comissão Pirenopolina de Folclore (CPF), associação sem fins lucrativos que atuará ao lado da iniciativa privada e do poder público. Ela fará um levantamento de todas as manifestações folclóricas atuais e também antigas, para se descobrir o que mudou em definitivo e o que pode ainda ser reparado. Também vai registrar, para conhecimento das futuras gerações, como cada ator da manifestação apresentada age e o motivo pelo qual o faz.

Aguardemos a entidade e reflitamos sobre o que escrevi acima. São tempos difíceis para todos nós que nos preocupamos com a cultura.

Adriano Curado

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