sexta-feira, 1 de março de 2013

Marlene Fleury

SÉRIE BIOGRAFIAS

MARLENE FLEURY




     Marlene Fleury (Pirenópolis 25.6.1940 – 28.2.2013) foi professora, catequista e uma grande incentivadora da cultura pirenopolina.

     Filha de Ilda Siqueira e Boanerges Fleury, Marlene era a mais velha das quatro filhas do casal. Tataraneta do grande maestro Antônio da Costa Nascimento (Tonico do Padre). Sua mãe era uma afamada costureira em Pirenópolis, excelente bordadeira, especializada em vestidos de noiva. Seu pai era um modesto caminhoneiro.

Casarão onde nasceu Marlene Fleury
     Dona Marlene nasceu com um grave desvio nas vértebras da coluna, deficiência que a fazia caminhar torta, mas sua habilidosa mãe conseguia contornar o problema com discretos reparos nos vestidos. Só que seu pai não se conformava com isso, então juntou todas suas economias e em fevereiro de 1954 internou-a no Hospital das Clínicas em São Paulo/SP. Durante a cirurgia, um provável erro médico a deixou paraplégica. Nem sentar ela podia mais, passaria o resto da vida deitada numa cama.

     E o que para a maioria das pessoas seria um inferno existencial, para ela se tornou uma forma de melhorar a qualidade de vida das pessoas. No velho casarão que pertenceu a Tonico do Padre, ali na lateral da Matriz, dona Marlene montou sua escolinha de cultura. A juventude que lá frequentava aprendia a tocar violão, bordar, pintar, desenhar as primeiras letras, mas o maior dos ensinamentos era mesmo a “vida”.


     Ela parou de estudar na 4ª série, pois para chegar à escola precisava ser carregada degraus acima, e isso era feito por sua mãe. Seu pai suicidou-se logo após o resultado desastroso da cirurgia. Esse fato foi um marco em sua vida. A partir daí, ela teve que se contentar em viver dentro de sua limitação. Inscreveu-se no Instituto Universal Brasileiro e, por correspondência, fez cursos profissionalizantes de crochê e bordado. Depois de formada, tornou-se funcionária pública da Prefeitura Municipal, embora ministrasse suas aulas em casa.

     Em seu sangue corria o gênio musical do tataravô Tonico do Padre e então ela aprendeu sozinha, apenas guiada pelo ouvido, a tocar o violão, instrumento que dominava muito bem. Era emocionante vê-la encaixar o violão no travesseiro e dedilhar suas cordas em solos que pareciam uma sinfonia de anjos. Seu espírito de colaboração com o próximo fez com que se tornasse também professora de violão e canto. Minha irmã estudou com dona Marlene.


     Sua verdadeira vocação era tornar-se freira, e isso vinha das missas que assistia na Matriz, mas devido à sua deficiência ela ficou impossibilitada de seguir para um convento. Então tornou-se catecista, e preparava crianças e adolescentes para a Primeira Comunhão, um dos sacramentos da Igreja Católica.

     Com a morte dos pais e o casamento das irmãs, Marlene decidiu que precisava ajudar mais pessoas. Em 1989, ela partiu de Pirenópolis para percorrer o Município e levar seu exemplo de humildade, sempre no afã de repassar os ensinamentos que aprendera. Em vinte anos ela percorreu doze povoados, até se aposentar em 2000 e se estabelecer em Caxambu.

     A comunidade local a ajudou a construir uma casa modesta, com portas largas para ela circular com sua cama de rodas. Ali ela passou a morar sozinha. Cozinhava num fogareiro ao lado da cama, onde havia uma pia e secador de pratos. No tanque, lavava a própria roupa e através de um sistema de roldanas, punha-as para secar ao sol lá no terreiro.

     Sua atividade em Caxambu continuou intensa. Ela ministrava aulas do Catecismo Católico aos adolescentes locais, e ainda ensinava desenho, pintura, bordados, crochê, tricô, violão etc. Tudo isso eu soube quando fui visitá-la em sua casa e ficamos horas em animada conversa. Ela era minha leitora, gostava de receber meus livros e depois me enviava cartas com críticas muito bem recebidas.

     Em 2010, dona Marlene adoeceu e não pôde mais ficar em Caxambu. Necessitava de cuidados médicos mais intensificados e então voltou a Pirenópolis. Sua saúde desde então passou a se deteriorar rápido e ela faleceu em 28 de fevereiro de 2013, aos 72 anos de idade.

Tonico do Padre, tataravô de Marlene

     O exemplo de vida dessa mulher singular precisa ser seguido. Ela nunca reclamou de nada, tinha sempre um sorriso no rosto e uma palavra de conforto. Jamais se apegou a nenhum bem terreno, inclusive lia os livros que ganhava e os repassa, pois achava que os outros também precisavam ter o oportunidade de lê-los.

     Por tudo isso, Marlene Fleury merece figurar entre os nossos biografados.

Fonte:

PINA, Braz Wilson Pompeu de. Antônio da Costa Nascimento (Tonico do Padre), um músico no sertão brasileiro. Revista Goiana de Artes, Instituto de Artes da UFG. Vol. 7, N 1º – jan./Dez. De 1986.
JAYME, Jarbas. Famílias Pirenopolinas (Ensaios Genealógicos). Goiânia, Editora Rio Bonito, 1973. Vol. II.

Minhas próprias memórias.

As fotografias de dona Marlene pertencem à Família Fleury


Adriano César Curado

13 comentários:

  1. Fui aluna dessa maravilhosa mestra, uma figura importantíssima sim para nossa cidade, mulher guerreira, abençoada por Deus. Hoje os anjos tocam trombetas de alegria em recebe-la no céu, vai com Deus dona Marlene, sentiremos eterna saudade...

    ResponderExcluir
  2. É muito emocionante a historia de Dona Marlene. Um verdadeiro exemplo de vida.

    ResponderExcluir
  3. PARABÉNS PELO BLOG, FUI ALUNA DE Dª MARLENE E PUDE VIVENCIAR TUDO QUE ESTÁ ESCRITO.

    VANIA QUIRINO.

    ResponderExcluir
  4. OBRIGADO ADRIANO,
    POR COLOCAR UMA HISTORIA DE EXEMPLO PARA OS SERES HUMANOS DA DONA MARLENE, CONHECI ELA E PARTICIPEI DE UMA PARTE DA VIDA DELA.

    OBRIGADO MESMO E QUE DEUS ABENÇOE VOCÊ...

    ResponderExcluir
  5. Realmente uma grande perda, foi em vida uma santa, um exemplo de resignaçao, amor ao proximo. Com toda certeza ela esta numa mansao la em cima, com os materiais de primeira que enviou em toda sua vida. O céu hoje esta em festa! Esteja em paz minha professora de tricô!

    ResponderExcluir
  6. Às vezes a vida nos presenteia com pessoas encantadoras. Pessoas que só transmitem sentimentos bons. Pessoas que existem, pois, Deus precisava de ajuda para o seu propósito aqui neste mundo. Pessoas de coração cheinho de sentimentos bons. Pessoas de alma pura. Pessoas que realmente fazem parte da bondade, da ternura, da caridade. Pessoas que realmente valorizam o simples, mas belo. Pessoas que são capazes de dar cor a tela vazia que às vezes a vida nos proporciona. Pessoas que surpreendem com gestos que para muitos são pequeninos, mas para os de coração nobre são de valor inestimável. Pessoas que aqui estão para fazer acontecer. Pessoas que são capazes de tudo para transmitirem, que o verdadeiro sentido da vida... É simplesmente, amar. Essas pessoas são anjos terrenos dispostas a perfumar o mundo com fragrâncias suáveis e deliciosas de serem sentidas,e Preciso continuar acreditando que ainda há pessoas assim se não ,estarei totalmente despida de sonhos.

    ResponderExcluir
  7. Djenane fleury 05 de março de 2013

    Bom dia Adriano ! Obrigada pela homenagem a minha tia.Que sirva de exemplo todas suas atitudes ,o amor ao proximo e toda sua simplicidade e dedicação ao seus irmãos carnais.Ela era um anjo de luz aqui na terra ,e com certeza continua no segundo plano.Amor Eterno...!!!

    ResponderExcluir
  8. Com que satisfação vejo esta foto, mostra que realmente a Marlene existiu entre nós... qual a diferença entre ela Nossa Senhora? Entre ela e Cora Coralina? Uma sobressai na poesia e a nossa Marlene em TUDO DE BOM...

    ResponderExcluir
  9. Realmente uma vida santa e uma grande perda para Pirenópolis.Com certeza Deus a recebeu em seus braços minha professora de catequese.

    ResponderExcluir
  10. Uma pessoas assim tão boa cedo ou tarde tinha mesmo que ser convocada para abrilhantar os anjos. Perfeita sua postagem.

    ResponderExcluir
  11. Uma pessoa que deixa impressões tão bonitas só pode ser uma iluminada de Deus. Pirenópolis tem-me revelado pessoas maravilhosas como a Marlene, Padre Mata (que saudades) meu santinho de Piri e tantas outras.

    ResponderExcluir
  12. Eu também fui aluna da D. Marlene, eu tinha apenas 9 anos de idade e me lembro bem dela!!! Aprendi muito com ela!!!

    ResponderExcluir
  13. Fui aluna de tricô e crochê, o que aprendi com ela,sempre que posso repasso a outras pessoas, pois ela nos ensinou um aprendizado com muito amor e dedicação. Exemplo de pessoa, só quem a conheceu de verdade sabe o quanto ela era espetacular. Saudades boas sempre.

    ResponderExcluir

Minhas leitoras e meus leitores, ao comentarem as postagens, por favor assinem. Isso é importante para mim. Se não tiver conta no Google, selecione Nome/URL (que está acima de Anônimo), escreva seu nome e clique em "continuar".

Todas as postagens passarão por minha avaliação, antes de serem publicadas.

Obrigado pela visita a este blog e volte sempre.

Adriano Curado