Tenho um amigo de longa data a quem
muito prezo e com quem sempre pude contar em todos os momentos. Ele é
rico, muito rico, e embora faça caridades, ajude instituições com
doações generosas, ele tem um defeito monstruoso que não concordo: gosta
de humilhar pessoas. Ou pelo menos gostava, depois do que ocorreu. Vou
contar aqui.
O
fato se deu na rodovia BR-153, entre as cidades goianas de Anápolis e
Goiânia. Íamos para a capital participar de uma reunião de negócios, ele
na direção da Land Rover novinha, de menos de semana de uso, ao lado a
esposa que é socialite e no banco de trás eu, com um laptop no colo,
dando uma última revisada no texto da minha palestra na reunião. A
viagem transcorria tranquila, Tom Jobin com sua voz suave no ambiente,
quando o carro dá uma freada brusca e vai para o acostamento.
Assustei-me porque não prestava atenção na estrada e o computador caiu
por entre minhas pernas.
— Que houve? — indaguei assustado porque achei que houvesse estourado um pneu.
— Vou curtir com a cara daquele carroceiro ali.
Ainda
meio que me refazendo do susto, olhei para frente e vi a uns cinquenta
metros de nós um senhor de chapéu na cabeça que conduzia uma carroça bem
lentamente.
— Não faça isso — tentei convencê-lo —, deixe o pobre homem em paz.
Era
o mesmo que falar com uma porta, ele não me ouvia nunca. Ficamos ali um
tempinho porque a carroça não mudou o ritmo, mas quando passava por
nós, meu amigo baixou o vidro do lado da esposa e disse:
—
Parei aqui para dar uma olhada na sua cara de pobre. Eu sou rico, tenho
este carrão aqui e você é um miserável que anda de carroça. Sinto
vontade de rir da sua falta de sorte.
Eu
quase derrubei a cara de tanta vergonha. Não gosto que façam isso com
os outros, ninguém deve sofrer humilhações. Mas ao contrário do que
pensei que ocorreria, o carroceiro não continuou a viagem. Freou a
carroça, deu um tapa da aba do chapéu para trás, chupou duas vezes o
cigarro de palha e depois, olhando bem demorado para seu interlocutor,
respondeu:
—
De fato, vejo que o senhor tem mais dinheiro que eu, mas se engana ao
me chamar de miserável. Estou todo molhado porque acabei de me banhar
ali no rio limpinho. O senhor já fez isso: Daqui a pouco chego em casa e
a minha esposa me espera com um almoço especial que só ela sabe fazer, e
ainda me recebe com um beijo. A sua esposa faz isso: Olha para o
senhor. Tem que trabalhar mais que meu cavalo para dar conta de manter o
carrão, os luxos da sua esposa que usa roupas caras e tem esse telefone
de passar o dedo que não deve ter sido barato. Moro da minha terra,
ganho pouco e gasto pouco e sou feliz assim. Não troco minha vida pela
sua nem um segundo. Agora se me dá licença, vou-me embora com a minha
cara de pobre porque a sua de rico perdeu o sorriso de ironia.
O
carroceiro se foi na toada lenta e nós ainda ficamos um bocado de tempo
ali parados, silêncio no ambiente, nem Tom Jobin cantou mais. A esposa
do meu amigo quis chorar de nervosa, queria saber se o marido pensava
aquilo mesmo dela, se estava sendo um fardo na vida dela. Ele
aproveitou para reclamar das ausências, do excesso de redes sociais e
das festas da socialite. Eu fiquei na minha, voltei ao texto que lia.
Ou seja, perdeu a chance de ficar calado.
Adriano Curado
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