quarta-feira, 26 de agosto de 2015

O desafio final

Os três amigos parece que precisavam de uma ocupação útil, pois viviam às voltas com passatempos e jogos sem serventia. Outro dia propuseram um desafio infantil de gravar as confissões na igreja e ainda bem que o padre descobriu o gravador a tempo. Semana passada foi descobrir qual deles conseguiria furtar o cabideiro antigo da antessala do casarões do coronel. Paulo executou a obra e só não levou uma boa surra porque seu pai interveio, falou com o homem, desculpou-se pelo grupo.
E tanto Alan quanto Pedro, os outros dois componentes, já haviam aprontado das suas. Mas eram brincadeiras sem maiores consequências, nada que tivesse uma repercursão maior. Por tudo isso passaram a chamá-los de Os três patetas. Por incrível que possa parecer, ganharam uma admiradora. Era Paloma, uma moça bonitinha e que, na verdade, estava apaixonada por Pedro e desejava apenas ficar perto dele.

— Que posso fazer para pertencer ao grupo — disse certo dia ao abordá-los.
— Não é permitido garotas entre nós — sentenciou Alan.
— Mas o que é isso, meu amigo, assim você é idelicado com a moça — adiantou-se Paulo.
— Também concordo com Alan — falou Pedro — nossas brincadeiras não são para mulheres.
— É muito simples. Vocês propõem um desafio, seu eu não conseguir cumprir, caio fora.
Não tiveram outra alternativa. E foram várias provas difíceis a que se submeteu Paloma. Bebeu aguardente com os homens da taberna, pernoitou com os mendigos da praça, correu nua pela cidade de madrugada. E saiu-se bem em todas elas. Então retornou ao grupo e impôs:
— Posso fazer parte agora? Já sou um membro?
Os rapazes se entreolharam. Seria difícil escapar daquela enrascada. E o pior é que Pedro não notava duas coisas: que a moça estava apaixonada e que Paulo notara nisso mas gostava dela. Diante do impasse, Alan pediu a palavra e propôs um desafio final. Seria algo impossível de ser cumprido. Ainda assim ela topou.
Foi de muita crueldade o que fizeram com aquela coitada. Na fazenda do pai de Alan havia uma serra onde morava uma onça recém-parida.
— Seu desafio é bem simples. Basta você ir lá e trazer para nós um filhote da onça.
— Mas isso é impossível!
— Pode ser. Mas essas é a condição para ingressar no grupo.
— Você não tiveram que fazer algo assim!
— Nós somos sócios-fundadores.
Paloma pensou por algum tempo. Olhos fixos em Pedro como quem pede ajuda. Mas ele nem percebia os sentimentos da moça. E quando todos achavam que era a desistência, foram surpreendidos com um — eu topo! Quando o Jeep parou próximo ao sopé da serra, Paulo olhou para o alto, viu a caverna onde provavelmente havia a onça e falou:
— Você não precisa fazer isso.
— Eu quero fazer. Sério, quero mesmo. O grupo de vocês é tão bom e inviolável que provavelmente morrerei só por querer ficar perto de alguém.
Dito isso, apeou e começou a subir. O três amigos ficaram lá embaixo, silenciosos, apreensivos. Paloma escalou com cuidado as pedras pontiagudas e por fim chegou à abertura da caverna. Não era um lugar muito amplo, tinha um metro quadrado de diâmetro e lá de dentro assoprava um vento quente. É o bafo da morte, pensou. Era óbvio que ela não pretendia de verdade pegar o filhote de onça, e para isso bastava dizer que o animal não estava lá. Quem iria conferir? O problema é que os três patetas ficavam ali no gargarejo o que a forçava a entrar na caverna de qualquer jeito.
Paloma segurou a lanterna com uma mão e com a outra empunhou um revólver 22 emprestado de Alan. Dentro era mais confortável porém abafado. Correu o foco de luz pelo salão e com alívio constatou que não havia onça por ali. Então era só esperar certo tempo e descer com a missão cumprida. Tudo simples, tranquilo e descomplicado, não fosse a curiosidade humana. É que a moça vislumbrou um brilho um pouco mais à frente e resolveu ir até lá conferir. De repente, algo fofo caiu atrás dela. Voltou-se com o coração aos saltos e vislumbrou dois olhos que fechavam a entrada. A lanterna caiu a se apagou, como sempre acontece em momentos assim.
Lá embaixo, Paulo se impacientava:
— Já era para ela ter voltado.
— Não se chega num lugar, pega um filho de onça e sai simplestamente. Tem que convencer a mãe a entregá-lo — falou Alan com cinismo.
— Mas você nos garantiu que não tem onça ali.
— Se toca, Pedro. Como eu posso garantir uma coisa dessas? Só falei isso porque nunca imaginei que aquela louca fosse entrar lá.
— Meu Deus — desesperou-se Paulo. Mas pelo menos ela está armada.
— Não tem balas no revólver.
— Ficou louco, Alan?
— Você acham que eu ir deixar uma mulher com uma arma carregada na mão? Além do mais, um 22 não faz nem cócegas numa animal daqueles.
Os três se entreolharam e sem palavras correram serra acima atrás de Paloma. Mas quando chegaram na porta da caverna, ouviram dois disparos contínuos e seco, e logo deram com ela que saía com dois filhotes de onça preta nas mãos. Entregou um para Pedro, outro para Paulo e disse a Alan:
— Aí está sua prenda. Tome conta porque a mãe morreu lá dentro. Eu apaguei os dois olhos.

Adriano Curado

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Minhas leitoras e meus leitores, ao comentarem as postagens, por favor assinem. Isso é importante para mim. Se não tiver conta no Google, selecione Nome/URL (que está acima de Anônimo), escreva seu nome e clique em "continuar".

Todas as postagens passarão por minha avaliação, antes de serem publicadas.

Obrigado pela visita a este blog e volte sempre.

Adriano Curado