Atada ao tronco por grilhões e calcetas que a imobilizavam completamente, a jovem Maria esperava pela execução da pena. Tinha ela dezesseis anos de idade e era uma linda escrava negra. Naquele momento aguardava em silêncio. Sabia que provavelmente seu senhor ainda distribuía ordens aos funcionários da fazenda e logo daria início à exemplar punição. E tudo porque, cambaleante de fome, resolvera deixar, só um pouquinho, o serviço de capina e chupar um caju ali no quintal. Ela até pensou em resistir, em não cair na tentação de morder o fruto proibido, mas aquele caju era carnudo demais, todo vermelho e com uma castanha que parecia um dedo que chama.
O pior mesmo é que nem teve tempo de saborear direito a fruta, pois logo o feitor apareceu, chicoteou suas costas e mandou contar para o deus da casa-grande. O barão ficou furioso com aquela rebeldia, principalmente porque poderia servir de mau exemplo aos demais, e ordenou que a acorrentassem ao tronco a noite toda, para ser açoitada exemplarmente no dia seguinte.
Hoje é esse dia seguinte!
Seu campo de visão era limitado, entretanto ela vislumbrava a casa-grande, o galpão da moenda de cana-de-açúcar e o armazém para guardar o algodão já descaroçado, e achava estranho que tão poucos escravos transitassem por lá. O vai-e-vem dos cativos deveria ser intenso àquela hora, alguns na condução dos carros de bois abarrotados de cana-de-açúcar, outros no caminho das vastas plantações do barão.
Atada naquela posição, ela podia ver perfeitamente a agitação no fundo do casarão de seus senhores, e notou que ali acontecia um movimento incomum, com pessoas que gesticulavam bastante, num entra e sai frenético. Será que aquele caju era tão importante assim?
Finalmente lá vem o feitor com a chibata na mão. Só em pensar na dor ela já se encolhia toda. Se tivesse esperado mais um pouco, logo a cozinheira chamaria para o almoço e agora não estaria naquela situação desesperadora. Mas a fome era tanta que resolvera comer o caju, embora já advertida várias vezes, e agora pagaria pela ousadia.
O feitor se achegou e ela fechou os olhos. Pensou em dizer alguma coisa, justificar o ato, pedir perdão. Inútil. Isso não mudaria a sentença.
Ocorre que o homem, em vez de chicoteá-la, destrancou os grilhões e falou:
─ Vá embora, você está livre. Uma tal Isabel alforriou todo mundo!
Conto de Adriano César Curado, publicado no livro "Chuva de Estrelas", Goiânia: PUC, 2011, p. 4
Muito lindo esse seu conta, e foi postado em boa ocasião, quando o país debate a ampliação da conta para negros na universidades públicas.
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