Esqueça os candangos e os grandes empreiteiros dos anos 1950. Muito antes dos caminhões cruzarem a poeirenta Brasília em construção, portugueses se apoderavam das terras hoje ocupadas pelo Distrito Federal e pelos municípios goianos do Entorno. Seus escravos africanos erguiam casas, lojas e igrejas. Eles eram a base de uma sociedade que tinha no topo os ricos donos de imensas fazendas e suas submissas mulheres.
As propriedades rurais, tomadas por gado e cana-de-açúcar, alimentavam pequenas cidades e vilas, habitadas por padres, militares, comerciantes, artesãos e funcionários públicos. Os núcleos populacionais estavam ligados por trilhas e raras estradas de terra, percorridas por tropeiros em lombo de burro e carros de boi. Muitos viajavam em busca de ouro.
Cenário comum a Minas Gerais, Bahia, São Paulo, Pernambuco e ao Rio de Janeiro dos séculos 18 e 19. Porém, no quase isolado Planalto Central, a vida era mais difícil, principalmente para quem tinha poucas posses. Realidade pouco alterada até o começo da construção de Brasília, mas ainda desconhecida da maioria dos brasilienses e dos demais brasileiros.
Para recuperar essa parte da história do país, uma equipe do Correio passou uma semana visitando cidades e fazendas centenárias dos arredores da capital. Percorreu mais de 1 mil km em estradas de asfalto, de terra e em trilhas. No caminho, encontrou os originais de documentos datados de até 300 anos, casarões centenários intactos e em ruínas, povoados e fazendas que parecem ter parado no tempo, descendentes de poderosos latifundiários e de escravos, pesquisadores e moradores que lutam para preservar a memória da região.
O resultado dessa apuração o leitor confere a partir de hoje, na série Brasília colonial. As reportagens vão revelar a riqueza secular dessas terras e o que ainda resta delas. Tesouro pouco explorado turisticamente pela maioria dos atuais donos e ainda nem mapeado completamente pelo governo ou pela comunidade científica.
Em seu levantamento, o Correio contou ao menos 390 edificações com mais de 100 anos e em estilo colonial, em um raio de até 200km de Brasília. São igrejas, casarões, presídios desativados e antigos armazéns. No DF, os prédios ficam em Planaltina e no Park Way. Em Goiás, eles estão nas áreas rurais e urbanas de Cidade Ocidental, Corumbá, Formosa, Luziânia e Pirenópolis.
As propriedades rurais, tomadas por gado e cana-de-açúcar, alimentavam pequenas cidades e vilas, habitadas por padres, militares, comerciantes, artesãos e funcionários públicos. Os núcleos populacionais estavam ligados por trilhas e raras estradas de terra, percorridas por tropeiros em lombo de burro e carros de boi. Muitos viajavam em busca de ouro.
Cenário comum a Minas Gerais, Bahia, São Paulo, Pernambuco e ao Rio de Janeiro dos séculos 18 e 19. Porém, no quase isolado Planalto Central, a vida era mais difícil, principalmente para quem tinha poucas posses. Realidade pouco alterada até o começo da construção de Brasília, mas ainda desconhecida da maioria dos brasilienses e dos demais brasileiros.
Para recuperar essa parte da história do país, uma equipe do Correio passou uma semana visitando cidades e fazendas centenárias dos arredores da capital. Percorreu mais de 1 mil km em estradas de asfalto, de terra e em trilhas. No caminho, encontrou os originais de documentos datados de até 300 anos, casarões centenários intactos e em ruínas, povoados e fazendas que parecem ter parado no tempo, descendentes de poderosos latifundiários e de escravos, pesquisadores e moradores que lutam para preservar a memória da região.
O resultado dessa apuração o leitor confere a partir de hoje, na série Brasília colonial. As reportagens vão revelar a riqueza secular dessas terras e o que ainda resta delas. Tesouro pouco explorado turisticamente pela maioria dos atuais donos e ainda nem mapeado completamente pelo governo ou pela comunidade científica.
Em seu levantamento, o Correio contou ao menos 390 edificações com mais de 100 anos e em estilo colonial, em um raio de até 200km de Brasília. São igrejas, casarões, presídios desativados e antigos armazéns. No DF, os prédios ficam em Planaltina e no Park Way. Em Goiás, eles estão nas áreas rurais e urbanas de Cidade Ocidental, Corumbá, Formosa, Luziânia e Pirenópolis.
Em busca de ouro
Os primeiros povoamentos ao redor do atual Distrito Federal surgiram em função da colonização das terras dos índios da etnia Goyá (grafia antiga) e da corrida ao ouro no Brasil. Mais antigo dos núcleos urbanos da região, Pirenópolis (casarão acima), distante quase 140km de onde seria erguida a nova capital do país, começou a ser ocupado em 1727, quando um grupo de bandeirantes portugueses, vindo de São Paulo, ali fundou as Minas de Nossa Senhora do Rosário de Meia Ponte.
Os desbravadores já sabiam da existência do ouro, tanto que, logo após montar acampamento, se lançaram à cata do precioso metal no leito do Rio das Almas. Eles passavam o dia revirando e lavando o cascalho das margens até poder apurar o ouro com bateia, em um dos mais antigos métodos de garimpagem.
Oriundos do norte de Portugal, região do Porto, e da Galícia, em sua maioria, os portugueses logo trataram de construir casas e igrejas, formando um arraial. A ainda imponente Igreja Matriz, cartão-postal do município, eles construíram por volta de 1728 a 1731.
No mesmo período, bandeirantes rumavam para o que viria a ser Corumbá, a vizinha mais próxima de Pirenópolis.
Também atraídos pelo ouro, fixaram acampamento na margem esquerda do Rio Corumbá e, em 8 de setembro de 1730, fundaram o arraial de Nossa Senhora da Penha do Corumbá. Ergueram ranchos de pau a pique, com chão de terra batida e cobertura de palhas de buriti. Um deles virou capela. Os outros serviam de moradia aos bandeirantes e a seus escravos.
Coube aos negros plantar roças de cereais para abastecer o arraial. Acima dessas plantações, havia uma clareira na mata ciliar, onde hoje está a Praça da Matriz, que servia de pasto aos cavalos dos pioneiros de Corumbá.
Igrejas separadas
Uma década depois, à procura de novas minas de ouro, o bandeirante Antônio Bueno de Azevedo partiu de Paracatu (MG), acompanhado de amigos e escravos, em direção a Goiás. Mas não tinha direção certa.
Em 13 de dezembro de 1746, enquanto descansava às margens de um córrego, viu pepitas de ouro. No dia seguinte, ergueu um cruzeiro e dedicou as minas e o povoado à Santa Luzia, futura Luziânia.
A notícia logo se espalhou. Em menos de um ano, o arraial tinha mais de 10 mil habitantes. Uma enormidade para a época.
Como em Pirenópolis, a primeira grande edificação de Luziânia foi a Matriz, que começou a ser erguida em 1765, sendo inaugurada em 1767. Mas só a população branca podia frequentá-la. Com isso, os negros começaram a erguer, em 2 de junho de 1769, a Igreja do Rosário (foto anterior).
Os dois templos continuam de pé, mas apenas o dos negros mantém a estrutura original. Após um ano de trabalho, o prédio foi reaberto, completamente restaurado, em setembro do ano passado. Ele fica no ponto mais alto da Rua do Rosário, onde se concentram os prédios históricos da cidade, hoje com mais de 160 mil habitantes.
Mas, muito antes de atingir essa população, Luziânia viveu uma fuga em massa, devido ao declínio dos garimpos. A população caiu de 10 mil habitantes, no pico da mineração, para pouco de mais de 2 mil, ao fim da exploração do ouro.
A minoria branca ficou nas poucas casas do vilarejo e nas sedes das fazendas, que viviam da produção de cana-de-açúcar e da criação de gado. Os escravos que não trabalhavam nas propriedades rurais formaram comunidades em volta delas. A mais famosa, a do Mesquita, fica na área rural da Cidade Ocidental, a cerca de 50km de Brasília e a 25km de Luziânia, onde descendentes dos senhores de engenho e dos escravos conservam a cultura dos ancestrais.
Uma década depois, à procura de novas minas de ouro, o bandeirante Antônio Bueno de Azevedo partiu de Paracatu (MG), acompanhado de amigos e escravos, em direção a Goiás. Mas não tinha direção certa.
Em 13 de dezembro de 1746, enquanto descansava às margens de um córrego, viu pepitas de ouro. No dia seguinte, ergueu um cruzeiro e dedicou as minas e o povoado à Santa Luzia, futura Luziânia.
A notícia logo se espalhou. Em menos de um ano, o arraial tinha mais de 10 mil habitantes. Uma enormidade para a época.
Como em Pirenópolis, a primeira grande edificação de Luziânia foi a Matriz, que começou a ser erguida em 1765, sendo inaugurada em 1767. Mas só a população branca podia frequentá-la. Com isso, os negros começaram a erguer, em 2 de junho de 1769, a Igreja do Rosário (foto anterior).
Os dois templos continuam de pé, mas apenas o dos negros mantém a estrutura original. Após um ano de trabalho, o prédio foi reaberto, completamente restaurado, em setembro do ano passado. Ele fica no ponto mais alto da Rua do Rosário, onde se concentram os prédios históricos da cidade, hoje com mais de 160 mil habitantes.
Mas, muito antes de atingir essa população, Luziânia viveu uma fuga em massa, devido ao declínio dos garimpos. A população caiu de 10 mil habitantes, no pico da mineração, para pouco de mais de 2 mil, ao fim da exploração do ouro.
A minoria branca ficou nas poucas casas do vilarejo e nas sedes das fazendas, que viviam da produção de cana-de-açúcar e da criação de gado. Os escravos que não trabalhavam nas propriedades rurais formaram comunidades em volta delas. A mais famosa, a do Mesquita, fica na área rural da Cidade Ocidental, a cerca de 50km de Brasília e a 25km de Luziânia, onde descendentes dos senhores de engenho e dos escravos conservam a cultura dos ancestrais.
Fogão a lenha
Em pequenas chácaras e ainda grandes fazendas, brancos e negros criam galinhas e porcos soltos, fazem doces e todo tipo de comida em fogões a lenha. “Não gosto da cidade, gosto das coisas antigas”, afirma Benedito Gonçalves Soares (foto principal), 78 anos, herdeiro de uma das mais tradicionais famílias da região.
Ele e dois dos seus irmãos mantêm duas fazendas com características originais. Em ambas, os casarões, com mais de 200 e 300 anos, foram recentemente restaurados. As propriedades ficam no limítrofe de Goiás com o DF, ao lado de onde surge um dos mais modernos e caros condomínios da capital.
A fim de satisfazer o marido, Benedito, Zilda Rodrigues Gonçalves (foto anterior), 76 anos, acorda cedo para fazer, diariamente, bolos e biscoitos, sempre no fogão alimentado a lenha. “Gostaria de morar na cidade, mas meu marido não sai daqui por nada”, pondera ela, descendente de uma das mais poderosas famílias de Luziânia. “Meus bisavós tinham uma fazenda grande, com um casarão de 300 anos e uma senzala, mas depois venderam e acabaram com tudo”, lembra.
Zilda, Benedito e os filhos contam com a ajuda de descendentes de escravos para manter a casa e toda a propriedade em ordem. Os negros, em sua maioria, moram no povoado Mesquita, reconhecido recentemente como área remanescente de quilombo.
Em pequenas chácaras e ainda grandes fazendas, brancos e negros criam galinhas e porcos soltos, fazem doces e todo tipo de comida em fogões a lenha. “Não gosto da cidade, gosto das coisas antigas”, afirma Benedito Gonçalves Soares (foto principal), 78 anos, herdeiro de uma das mais tradicionais famílias da região.
Ele e dois dos seus irmãos mantêm duas fazendas com características originais. Em ambas, os casarões, com mais de 200 e 300 anos, foram recentemente restaurados. As propriedades ficam no limítrofe de Goiás com o DF, ao lado de onde surge um dos mais modernos e caros condomínios da capital.
A fim de satisfazer o marido, Benedito, Zilda Rodrigues Gonçalves (foto anterior), 76 anos, acorda cedo para fazer, diariamente, bolos e biscoitos, sempre no fogão alimentado a lenha. “Gostaria de morar na cidade, mas meu marido não sai daqui por nada”, pondera ela, descendente de uma das mais poderosas famílias de Luziânia. “Meus bisavós tinham uma fazenda grande, com um casarão de 300 anos e uma senzala, mas depois venderam e acabaram com tudo”, lembra.
Zilda, Benedito e os filhos contam com a ajuda de descendentes de escravos para manter a casa e toda a propriedade em ordem. Os negros, em sua maioria, moram no povoado Mesquita, reconhecido recentemente como área remanescente de quilombo.
Fonte: Renato Alves (texto) e Monique Renne (fotos)
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Adriano Curado