segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Lagolândia, a vila esquecida perto de Pirenópolis

 
 
Os brasilienses buscam o sossego em Pirenópolis, a 150km do Distrito Federal. Mas poucos sabem que há ainda mais tranquilidade em uma vila da cidade histórica. Distante 43km da sede do município, o distrito de Lagolândia parou no tempo. Com 500 habitantes, o lugarejo conserva hábitos do início do século passado, um conjunto de casas centenárias, uma natureza selvagem e uma das mais intrigantes histórias de fé e messianismo do país.

Lagolândia, que um dia foi município mas perdeu o status por ver a sua população decrescer por causa da migração para os grandes centros em função da falta de emprego, não oferece serviços de internet nem de telefonia móvel. A comunicação com outras localidades ainda é feita pelos antigos telefones fixos e serviços dos Correios, como cartas e telegramas. 
 
 
 
Além de um posto da estatal, o povoado conta com um posto de saúde, uma escola — apenas com o ensino fundamental –, meia dúzia de bares e um mercadinho. Dessa forma, os jovens nascidos ou criados em Lagolândia vão deixando a terra natal em busca de melhores oportunidades nas cidades próximas, como Pirenópolis, Anápolis e Goiânia. Quem fica não reclama.

O ex-lavrador Benedito Moura, 69 anos, viu os filhos seguirem tal caminho, mas preferiu continuar em Lagolândia justamente por causa do marasmo. “Movimento aqui, só no fim de semana, por causa do povo que mora em Brasília, Goiânia e Anápolis e vem descansar em suas casas no povoado. Prefiro assim, mesmo dependendo de gente para ganhar meu dinheirinho”, ressalta ele, dono de um dos bares do lugarejo.

Cidade fantasma


O fenômeno descrito por Benedito faz com que a maioria das casas antigas de Lagolândia permaneça fechada durante a semana, dando ares de cidade fantasma ao povoado. Mesmo em dias de sol é difícil encontrar alguém nas poucas ruas do lugar, pois os poucos postos de trabalhos ficam no campo, em fazendas da região. Carro é objeto tão raro quanto aparelho celular. Cavalos, charretes e bicicletas sãos mais presentes nas vias de pedras centenárias, o que dá um ar ainda mais bucólico. 
 
Nesse ambiente Angélica Siqueira Santos, 25 anos, decidiu criar os filhos Bharyan, 3 anos, e Bhredd, nascido há duas semanas. Ela e o marido, pedreiro, decidiram trocar Anápolis por Lagolândia há quatro meses. Compraram uma casa antiga em frente à única praça do arraial por R$ 60 mil. “Essa casa tem uns 100 anos. Meu marido não quis reformá-la nem por forro porque a acha bonita assim, com os telhados à vista”, contou ela, destacando ainda as portas e janelas de madeira grossa e pesada. “A gente veio para cá por causa dos nossos filhos. Aqui eles podem crescer sem medo de violência e sem aprender as maldades da cidade grande”, completou Angélica.

Técnico de enfermagem do posto de saúde local, Ubiratan Wictovik, 54 anos, também mora em uma das casas coloniais em torno da praça. Nascido em Lagolândia, preferiu viver para sempre lá, ao lado dos pais. Ele foi o único dos 11 filhos do casal de goianos a fazer tal escolha. “Gosto dessa calmaria. Só sinto falta da internet e de um celular”, comenta. “Pois essa é a nossa maior felicidade (morar com o filho). O lugar mais longe que fui é São Paulo. Não gosto de barulho tumulto”, diz a mãe, Maria Wictovik, 76 anos.

A paz em Lagolândia é constatada também por meio das estatísticas policias. O último assassinato registrado no distrito ocorreu há 12 anos. Agora, os locais temem apenas o crescimento desordenado, por causa do asfaltamento dos 7km de estrada ainda não pavimentada, na direção à Pirenópolis. A benfeitora fez explodir os preços dos imóveis antigos do lugarejo. Os casarões localizados em frente à praça chegam a R$ 200 mil. Até dois anos atrás, não passavam de R$ 100 mil. E a tenência é aumentar mais.

O mito de Dona Dica

Na muito arborizada e bem cuidada praça de Lagolândia estão enterrados dois corpos, o de uma mulher considerada santa pelos locais e o do marido dela. A mulher é conhecida como Santa Dica de Goiás, tema do filme A República dos Anjos (1991). O busto de Santa Dica lidera o espaço dividido entre bancos, flores, imagens de Nossa Senhora e o sepulcro sombreado da Santa.

Nascida em 17 de janeiro de 1903, na Fazenda Mozondó, à 40km de Pirenópolis, Dica foi batizada como Benedita Cipriano Gomes. Reza a a lenda que, aos 7 anos, ela adoeceu, tendo perda total dos sinais vitais. Durante o banho do defunto, no entanto, os familiares teriam notado que Dica suava frio e muito. Com receio de enterrá-la, mantiveram o velório e, após três dias, Dica ressuscitou.

A história logo se espalhou pela região como um milagre. Romarias de fervorosos e crédulos roceiros migravam para pedir-lhe a benção e conseguir graças. Em poucos anos, já adolescente, Dica comandava legiões de adoradores que seguiam suas ordens com fiel devoção e em torno de sua casa formou-se povoado, Lagolândia .

Dica instituiu sistema de uso comum de solo e aboliu o uso de dinheiro. A ela eram atribuídas curas milagrosas. Dica dizia receber os espíritos do Dr. Fritz, da Princesa Silveira e de um comandante. Esperava a vinda do Messias para a libertação das doenças e pobrezas.

Nova Canudos

Dica também rezava missas e dava conselhos. Pregava a igualdade, abolição de impostos, a distribuição de terras. Dizia que a terra era de propriedade do Criador e foi feita para todos. Em sua fazenda não havia cercas e todos os recursos, oferendas e colheitas eram revertidos à comunidade.

Com o tempo, a influência de Dica começou a incomodar os políticos e os coronéis goianos. Eles temiam um episódio semelhante a Canudos, o povoado criado pelo messiânico Antônio Conselheiro no sertão da Bahia. Tal como em Canudos, não havia cobrança de tributos nem diferença de classes em Lagolândia, que virou uma espécie de comunidade socialista.

E, como fez com Canudos, o Estado decidiu agir contra os seguidores de Dica, quando eles já eram 15 mil, sendo 1,5 mil homens capacitados para o uso das armas e cerca de 4 mil eleitores. Em 14 de Outubro de 1925, a guarda estadual atacou o povoado e suposta santa mandou os devotos se lançarem nas águas do Rio do Peixe. Segundo o mito, anjos aparavam as balas que castigavam o povoado para protegê-los. E Dica reteu as balas com os longos cabelos negros.

O certo é que Dica acabou presa e levada para a capital do estado na época, Goiás Velho. Mas a prisão dela durou só seis meses. Pressionados pela população e sem provas criminatórias, o governo acabou cedendo. Dica ingressou na política, seus seguidores votavam em quem ela mandasse. Formou exército e recebeu a patente de cabo do Exército Brasileiro. Em 1928, casou com o jornalista carioca Mário Mendes, eleito prefeito de Pirenópolis em 1934. Eles tiveram cinco filhos e adotaram mais dois.

O exército de Dica participou da Revolução Constitucionalista de 1932 indo guerrear, com 150 homens, em São Paulo de onde voltou sem nenhuma baixa, resultado atribuído aos milagres da líder.  Dica morreu em 9 de novembro de 1970, em Goiânia, e foi sepultada, conforme seu desejo, debaixo de uma gameleira em frente à sua casa em Lagolândia.

Texto e fotos de Renato Alves e Minervino Júnior

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Adriano Curado