Hoje é dia de pamonhada
na roça. Tem fogão a lenha que espalha fumaça pela casa toda, tem
chão de terra batida que é fresquinho, tem uma pinguinha para abrir
o apetite. Ali dentro estão as mulheres em animado bate-papo, umas
contam assuntos do cotidiano, outras puxam uma cantoria das antigas.
Aqui fora, numa roda que
começa a afinar a viola, estão os homens com seus palheiros de
espantar mosquito e suas botinas rangedeiras. Já sangraram o capado
no chiqueiro e a peonagem agora traz as bandas para destrinchar. A
cachorrada está alvoroçada no terreiro, os gatos miam fino em riba
do telhado, sabem que sempre tem umas sobrinhas, uns refugos, nacos
menos nobres que para esses bichos é um banquete.
Batem palmas lá na
porteira. Acode ali que o compadre chegou da vizinhança e trouxe a
família. Se achega mais gente debaixo desta mangueira copuda e todo
mundo, sem cisma nem cestro, quer provar da cumbuca de torresmo que
acabaram de fritar, desses que queimam a ponta do dedo e a gente tem
que assoprar miúdo.
Enquanto corre mais uma
rodada da aguardente aqui fora, lá dentro o movimento é intenso.
Dobrar a palha, derramar o milho ralado dentro, amarrar com esmero e
depois mergulhar na fervura. Tem uns três ou quatro homens lá
dentro, no afã de dar um adjutório, e é bom que se conte isso para
mode não pensar que só as mulheres trabalham hoje. Isso não quer
dizer que tem bastante desocupado lá debaixo daquela mangueira, e
parece que já se ouve a fala arrastada de bêbado.
Estendidas sobre a mesona
de pedra, lá estão as duas bandas do capado. Facas afiadíssimas em
mãos ágeis desossam o bicho e separam por partes em gamelas. Os
meninos lavam as tripas na bica do monjolo, viram do avesso com uma
varinha, desviram para conferir se estão mesmo limpas, senão a
linguiça não sai a contento.
E já começam as modas
de viola e nova rodada da branquinha debaixo da mangueira. Alguém
reclama que os músicos não ajudaram nada, mas uma voz sábia disse
que há males que vêm para bem e que bêbado no manuseio de facas
afiadas não é bom.
As pamonhas estão
pronta, já frita a banha do caldeirão e a carne agora é salgada
para guardar. Puxam um parabéns meio desafinado. Sim, é aniversário
do dono da casa. Infelizmente não teremos um instrumento no
acompanhamento, pois todos dormem caídos ali à sombra da mangueira.
Mas deixa isso para lá, o importante é que a alegria e a
confraternização reinaram neste dia de pamonhada na roça.
Texto de Adriano Curado
Fotos de Eli Luiz da Costa
Rapaz, você escreve muito bem. Eu cheguei a sentir o cheiro da linguiça fritando.
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