Este chão
endurecido pelo pisar humano, terra de árvores centenárias
guarnecedoras das lendas perdidas nas matas milenares, é povoado por
gentes de costumes antigos, de tradições diversificadas, de crenças
enraizadas na miscigenação promíscua ajuntada história adentro. E
não faltam superstições, descabidas ou não, nem cantorias
afinadas em festejos já tradicionais, nem hábitos que se cultiva
mas ninguém sabe de onde vem.
Vou
contar como foi isso, em dois dedos de prosa.
Quem
saboreia uma feijoada, atualmente prato principal de sofisticados
restaurantes, regressa pelo paladar aos séculos da escravidão no
Brasil e é transportado aos confins de penumbra enfumaçada das
senzalas. Sobras de nacos de carnes “pouco nobres”, pedaços
“inferiores” de animais, descartes que não caberiam na cozinha
da casa-grande, tudo isso misturado com feijão preto, era dado ao
servo negro, que se fartava com tamanha delícia e talvez zombasse
interiormente de seus senhores.
Há
menos de um século, homens e mulheres andavam nus pelas imediações
das cidades ainda pequenas, e a população assustada chamava-os de
“tapuias”. Tinham fama de furtar crianças para criá-las nas
tribos decadentes, matar e comer criações dos quintais, sequestrar
as moçoilas que iam à fonte com seus potes de barro, escaramuçar
o roceiro dos ranchos socados no mato.
Um
bocadinho mais afastado no tempo, entretanto, esses nativos eram
tribos guerreiras numerosas e ferozes, diabos sanguinários com
invisibilidade nas matas e grande capacidade de mobilização e
organização. Mas se não fosse seu paiol de milho ou sua carne de
caça defumada nas fogueiras das ocas e saqueados pelo impávido
herói bandeirante, as comitivas dos desbravadores teriam se perdido
nos desvãos do infortúnio.
E então
fez-se a luz sobre a pepita de ouro que rolou montanha abaixo! Desse
dia em diante, nunca mais a paz rebuçou este chão com seu manto de
estrelas. Homens e mulheres, de todas as classes, de muitas idades, de
tantas culturas, acorreram para cá e mancharam este chão de
lágrimas, sangue e suor. Templos gigantescos, casarões assombrosos,
ruas de pedras, tudo isso brotou neste chão goiano.
Todas as
raças que por aqui vagavam acorreram, naquela ocasião, para o largo
central do arraial, cada qual no afã de acudir seus filhos, de
garantir a perpetuação da própria espécie, e houve uma guerra em
que todos morreram.
Mas graça ao Yamandu indígena, ribombar
estrondoso do trovão, aos Orixás da velha África e ao Deus
cultuado nos templos de taipa, ressuscitaram numa só raça,
miscigenação de costumes, lendas, tradições, superstições e
crenças.
A raça
do povo goiano.
Adriano
César Curado
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