Um fato
histórico que poucos sabem, mas que representa um importante marco
para a continuidade do folclore pirenopolino, é que as Cavalhadas de
Pirenópolis, tal qual as conhecemos hoje, foram totalmente
reformuladas na década de 1930.
Diferente
do que acontece nos dias atuais, antigamente as apresentações eram
esporádicas, dependiam de uma série de fatores, como a iniciativa
do Imperador, por exemplo, e não havia uma equipe fixa de
cavaleiros. Se um festeiro decidia “dar” Cavalhadas em seu
Império, tinha que ir atrás de quem havia participado há muitos
anos das apresentações. Mas pouca gente tinha interesse em correr,
pois o espetáculo não possuía o glamour dos dias atuais.
Com o
correr do tempo, as apresentações rarearam, até quase acabar. Nos
Impérios de Gastão Jayme de Siqueira (1928) e João Luiz Pompeu de
Pina (1929), por mais que os Imperadores se esforçassem, não
conseguiram mais reunir os vinte e quatro cavaleiros. Correram com
dezesseis, oito de cada lado. Depois disso, houve descrença e os
festeiros seguintes não se animaram mais.
Cinco
anos depois, em 1934, foi sorteado Imperador Luiz Abadia de Pina
(Lulu), que decidiu reviver tão importante representação teatral.
Mas o desafio não foi pequeno. Reunidos os antigos cavaleiros,
poucos se lembravam das coreografias, muitos já haviam morrido e
grande parte não se interessou. São antigos cavaleiros da época:
Júlio de Aquino, Otacílio Fereira, Antônio Jayme, Antônio José
da Veiga, entre outros.
Com a
iniciativa de Lulu de Pina, começou-se a formar um grupo fixo de
cavaleiros, o que não era fácil. Júlio de Aquino foi rei Mouro.
Manoel Inácio de Sá (Neco de Sá), rei Cristão. João José de
Oliveira, embaixador Mouro etc.
Só que
havia um problema sério: as anotações das coreografias se perderam
e ninguém mais se lembrava de todas as carreiras, depois de tantos
anos. Então os cavaleiros tiveram que reinventar as Cavalhadas.
Reunidos os antigos, indagavam sobre essa ou aquela carreira,
anotavam. E as que não eram mais lembradas, eles inventaram com
caroço de milho sobre a mesa (depoimento de João José de
Oliveira). Até que conseguiram fechar.
Lulu de Pina, Imperador em 1934 |
A missão
que Lulu de Pina lhes confiou era tão grande, que eles ensaiavam o
dia todo. Fugiam do sol à medida do possível com a variação de
locais. Eram três campos de ensaio. De madrugadinha, ensaiavam no
antigo campo de aviação, onde hoje está o bairro Alto do Bonfim. À
tarde, detrás da Igreja do Carmo, um local deserto onde eles
próprios improvisaram um campo. E à noite, com precária
iluminação, fechavam o dia com breve ensaio no campo de futebol,
mesmo local onde ocorrem as apresentações atualmente.
As
apresentações de hoje são herança do esforço daqueles homens
singulares, que fizeram o impossível para não deixar morrer as
apresentações das Cavalhadas, mas poucos se lembram deles. Fica
aqui nossa homenagem aos antigos cavaleiros esquecidos no tempo.
Adriano
César Curado
Fonte:
ALMEIDA, Renato. Cavalhadas dramáticas. Folclórica – Revista do
Instituto Goiano do Folclore, Goiânia, n. 3, ano 2, 1973.
ALVES, Luiz Antônio. Pirenópolis: Festa do Divino. Cultura –
Publicação do Ministério da Educação e Cultura. Brasília, ano
I, n. 2, 1971.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Cavalhadas de Pirenópolis. Goiânia:
Oriente. 1974.
CARVALHO, Adelmo. Pirenópolis, história, turismo e curiosidade.
Goiânia: Kelps, 2000.
CURADO, Glória Grace. Pirenópolis, Uma Cidade para o Turismo.
Goiânia.: Oriente. 1980.
PEREIRA, Niomar; VEIGA JARDIM, Mara Públio de Sousa. Uma festa
religiosa brasileira: festa do Divino em Goiás e Pirenópolis. São
Paulo: Conselho Estadual de Artes e Ciências Humanas, 1978.
PINA FILHO, Brás Wilson Pompeu de. Folclore Goiano: Festa do Divino
em Pirenópolis. Aspectos da Cultura Goiana. Goiânia, v. 2, 1971.
SILVA, Mônica Martins da. A Festa do Divino. Romanização,
Patrimônio & Tradição em Pirenópolis (1890 – 1988).
Goiânia: Agepel, 2001.
SIQUEIRA, Vera Lopes de. Datas pirenopolinas – 1727-1997 (s.l.,
s.d.) (Mimeo).
B) Pessoas entrevistadas:
João José de Oliveira;
João Lopes da Silva (Joãozico Lopes);
Maria Jayme de Siqueira Pina;
Manoel Ignácio de Sá;
Sebastião Dias Goulão;
Venceslau Antônio de Oliveira (Lalau).
* * *
Maravilhoso texto, Adriano Curado.
ResponderExcluirVocê tem a magia em sua escrita, uma capacidade incrível de pegar na mão da gente e nos transportar para o passado. O problema é que esse passado é tão fascinante, que dá vontade de ficar por lá, não voltar nunca mais.
Parabéns pela excelente aula de história.
Não conhecia a história da reformulação das Cavalhadas de Pirenópolis. Pelo seu texto, vejo que quase esse importante folclore nacional acaba. Foi por muito pouco.
ResponderExcluirEntão Pirenópolis deve muito a esse imperador chamado Lulu de Pina, porque se não fosse ele, tudo teria acabado.
Receba meus parabéns pela impecável matéria.
Obrigada Adriano, por mais esta aula,por compartilhar conosco informações tão valiosas , cada vez que venho aqui no seu blog, enriqueço com suas informações e textos maravilhosos .
ResponderExcluirVerdadeira aula de história.
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