A metamorfose que uma
cidade sofre ao se direcionar para o turismo, por mais lenta que
seja, é um processo irreversível. Depois que um local começa a
atrair visitantes interessados em seus atrativos, abre-se uma porta
para inovações profundas no cotidiano, e nunca mais a sossegada
aldeia voltará a ser a mesma.
No caso de Pirenópolis,
a cidade manteve-se pacata e praticamente isolada até o final dos
anos 1960, quando uma ruidosa festa do Divino organizada pela família
Pina mudou essa realidade. O deputado federal Geraldo d’Abadia de
Pina foi sorteado Imperador do Divino e por causa de seus contatos
políticos, a Capital Federal descobriu a pequena e próxima
Pirenópolis. Contam os da época que antes daquela festa, ocorrida
em 1969, somente a população local e alguns roceiros participavam
dos festejos profanos e pagãos.
De repente, Brasília é
convidada a conhecer as Cavalhadas. E para garantir a praticidade do
plano de se mostrar a cidade, esse folguedo que se desdobrava de
segunda a quarta-feira, teve seus dias alterados. Agora, cavaleiros
mouros e cristãos começavam suas atividades no domingo e encerravam
na terça-feira. No sábado à noite, quando se celebrava o último
dia da novena, com levantamento de mastro, fogueira acesa e queima de
fogos, não era possível andar com tranquilidade pelas ruas.
Assustado, o pirenopolino começava a perceber que a festa fugia do
controle das famílias nativas, era agora uma manifestação
artística para o mundo.
Nos anos seguintes,
principalmente na década de 1970, o impulso para que a festa
continuasse grandiosa foi intenso. A propaganda do Estado de Goiás
trabalhou maciçamente para garantir isso. Era o tempo da Goiastur,
um órgão eficaz e batalhador, que foi um dos responsáveis pela
internacionalização do evento.
Cuidou-se também de
certos estratagemas importantes para a consolidação do trabalho: as
Cavalhadas passaram o ocorrer todos os anos, as vestimentas dos
cavaleiros foram remodeladas, a televisão convidava o turista com
bastante antecedência etc. E embora fosse precária a estrutura de
hotelaria e restaurantes, os acampamentos em área pública eram
permitidos e as margens do rio das Almas se coloriam com barracas.
Com o passar do tempo, a
cidade se profissionalizou, e a festa voltou ao pirenopolino através
do auferimento de ganhos financeiros (doceiras, fabricantes de
máscaras e vestimentas dos cavaleiros etc.) e da possibilidade de
usufruí-la só para si na segunda e terça-feira, quando há
reinados e juizados, além das Cavalhadas.
Também a Semana Santa
passou a atrair bastante público em suas manifestações religiosas.
As imensas procissões, com as fileiras da Irmandade do Santíssimo a
proteger os santos, deixaram de ser apenas uma manifestação
católica. Agora são atrações turísticas semelhantes às
Cavalhadas. Tanto que as ruas estreitas da cidade ficam pequenas para
a multidão que acompanha os cortejos, principalmente o do Senhor
Morto na Sexta-feira da Paixão.
No entanto, creio que
atualmente a exploração turística do patrimônio natural da cidade
seja a campeã em atrair pessoas fora das épocas festivas. Há todo
um organizado aparato de exploração consciente da natureza, que vai
desde o guia contratado ao dono do imóvel visitado, quando a área
não é pública. Paga-se um preço razoável para se conhecer os
parques, reservas particulares, cachoeiras, santuários, fazendas
coloniais etc.
Por tudo isso, esse
processo gradual de mudanças que começou lá atrás, com Geraldo de
Pina, e vem até os dias atuais, se por um lado garante o sucesso
empresarial na exploração profissional do turismo, por outro lança
uma pá de cal nas pretensões dos saudosistas, gente que quer a
Cidade dos Pireneus tão pacata e pequena quanto nos tempos das Minas
de Meia Ponte. Esse tempo não volta mais.
De agora em diante, o
crescimento é contínuo e irreversível. Basta ver quantos novos
loteamentos e condomínios fechados surgem todos os anos, novidades
que encantam uns e assustam outros. De qualquer forma, a verdadeira
aldeia é aquela que está dentro de cada um de nós, e essa o tempo
e a modernidade não podem alterar.
Adriano Curado
Artigo publicado no jornal Diário da Manhã do dia 17.05.2014, Caderno Opinião Pública, p. 4.
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