segunda-feira, 19 de maio de 2014

Pirenópolis: da aldeia ao turismo



A metamorfose que uma cidade sofre ao se direcionar para o turismo, por mais lenta que seja, é um processo irreversível. Depois que um local começa a atrair visitantes interessados em seus atrativos, abre-se uma porta para inovações profundas no cotidiano, e nunca mais a sossegada aldeia voltará a ser a mesma.

No caso de Pirenópolis, a cidade manteve-se pacata e praticamente isolada até o final dos anos 1960, quando uma ruidosa festa do Divino organizada pela família Pina mudou essa realidade. O deputado federal Geraldo d’Abadia de Pina foi sorteado Imperador do Divino e por causa de seus contatos políticos, a Capital Federal descobriu a pequena e próxima Pirenópolis. Contam os da época que antes daquela festa, ocorrida em 1969, somente a população local e alguns roceiros participavam dos festejos profanos e pagãos.

De repente, Brasília é convidada a conhecer as Cavalhadas. E para garantir a praticidade do plano de se mostrar a cidade, esse folguedo que se desdobrava de segunda a quarta-feira, teve seus dias alterados. Agora, cavaleiros mouros e cristãos começavam suas atividades no domingo e encerravam na terça-feira. No sábado à noite, quando se celebrava o último dia da novena, com levantamento de mastro, fogueira acesa e queima de fogos, não era possível andar com tranquilidade pelas ruas. Assustado, o pirenopolino começava a perceber que a festa fugia do controle das famílias nativas, era agora uma manifestação artística para o mundo.

Nos anos seguintes, principalmente na década de 1970, o impulso para que a festa continuasse grandiosa foi intenso. A propaganda do Estado de Goiás trabalhou maciçamente para garantir isso. Era o tempo da Goiastur, um órgão eficaz e batalhador, que foi um dos responsáveis pela internacionalização do evento.

Cuidou-se também de certos estratagemas importantes para a consolidação do trabalho: as Cavalhadas passaram o ocorrer todos os anos, as vestimentas dos cavaleiros foram remodeladas, a televisão convidava o turista com bastante antecedência etc. E embora fosse precária a estrutura de hotelaria e restaurantes, os acampamentos em área pública eram permitidos e as margens do rio das Almas se coloriam com barracas.

Com o passar do tempo, a cidade se profissionalizou, e a festa voltou ao pirenopolino através do auferimento de ganhos financeiros (doceiras, fabricantes de máscaras e vestimentas dos cavaleiros etc.) e da possibilidade de usufruí-la só para si na segunda e terça-feira, quando há reinados e juizados, além das Cavalhadas.

Também a Semana Santa passou a atrair bastante público em suas manifestações religiosas. As imensas procissões, com as fileiras da Irmandade do Santíssimo a proteger os santos, deixaram de ser apenas uma manifestação católica. Agora são atrações turísticas semelhantes às Cavalhadas. Tanto que as ruas estreitas da cidade ficam pequenas para a multidão que acompanha os cortejos, principalmente o do Senhor Morto na Sexta-feira da Paixão.

No entanto, creio que atualmente a exploração turística do patrimônio natural da cidade seja a campeã em atrair pessoas fora das épocas festivas. Há todo um organizado aparato de exploração consciente da natureza, que vai desde o guia contratado ao dono do imóvel visitado, quando a área não é pública. Paga-se um preço razoável para se conhecer os parques, reservas particulares, cachoeiras, santuários, fazendas coloniais etc.

Por tudo isso, esse processo gradual de mudanças que começou lá atrás, com Geraldo de Pina, e vem até os dias atuais, se por um lado garante o sucesso empresarial na exploração profissional do turismo, por outro lança uma pá de cal nas pretensões dos saudosistas, gente que quer a Cidade dos Pireneus tão pacata e pequena quanto nos tempos das Minas de Meia Ponte. Esse tempo não volta mais.

De agora em diante, o crescimento é contínuo e irreversível. Basta ver quantos novos loteamentos e condomínios fechados surgem todos os anos, novidades que encantam uns e assustam outros. De qualquer forma, a verdadeira aldeia é aquela que está dentro de cada um de nós, e essa o tempo e a modernidade não podem alterar.

Adriano Curado

Artigo publicado no jornal Diário da Manhã do dia 17.05.2014, Caderno Opinião Pública, p. 4.

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