O Fachadismo
arquitetônico é uma técnica de reabilitação de edifícios
históricos degradados, onde apenas a fachada do prédio é
conservada, sendo o restante descartado. Abre-se mão do “recheio”
do patrimônio arquitetônico, que pode inclusive ser historicamente
mais rico que o exterior, com o fim de conservar a “casca”.
Um exemplo significativo
do emprego dessa técnica é o Pelourinho em Salvador, Bahia, onde
uma corrida pela preservação dos casarões históricos, somada à
necessidade de torná-los úteis e usáveis, fez com que seu interior
fosse totalmente demolido, apenas a fachada ficou de pé.
Às vezes o emprego do
Fachadismo é necessário, como ocorreu, por exemplo, na reconstrução
do edifício do Cine-Teatro Pireneus, localizado na rua Direita, em
Pirenópolis, Goiás. De fato, ali a decisão de se manter apenas a
fachada foi acertada. Mas é uma exceção, pois o prédio havia
ruído e apenas sua parte anterior, em art déco, ficou de pé.
Também na reconstrução
da cidade de São Luiz do Paraitinga, em São Paulo, foi necessário,
em diversas ocasiões, recorrer ao Fachadismo, pois os monumentos
desabaram por conta de uma enchente fenomenal. O mesmo ocorreu na
Cidade de Goiás, em Goiás, quando uma represa no rio Vermelho levou
diversos casarões históricos.
Cheia que destruiu casarões na Cidade de Goiás |
Nesses exemplos, assim
como no cinema de Pirenópolis, houve a perda total do prédio e
tentou-se conservar como deu seu estilo de época. Tais iniciativas
devem ser aplaudidas, pois é melhor se ter uma imagem agradável de
um cenário, que a visão frustrante de uma degradação.
O Pelourinho é apenas fachada, o interior foi todo demolido. |
A primeira que vem abaixo
é a parede de taipa, pois querem a casa com divisórias aprumadas e
feitas de material moderno e resistente. Assim não precisa de
manutenção anual, como é o caso das taipas. Levanta-se no lugar
uma fileira de tijolos furados, parecidos com a parede original. O
assoalho de madeira, também de complicada conservação (não pode
jogar água, tem que substituir a parte podre), é retirado e em seu
lugar instalam cerâmicas modernas e mais funcionais. E já que
estamos fazendo uma reforma geral no imóvel, melhor mesmo tirar a
aroeira velha e substituí-la por vigas de concreto, pois assim
durará infinitamente e não se terá perigo de trincar paredes.
Este casarão do século 19 é exemplo de Fachadismo. Todo o miolo foi demolido |
Aí eu pergunto: se
fizermos isso com a cidade toda, ainda assim teremos um conjunto
arquitetônico que mereça um tombamento? É óbvio que não. Seremos
apenas o cenário de uma triste realidade. Patrimônio histórico de
tijolo furado e vergalhões de aço não merecem esse nome. Se
amanhã, por exemplo, um historiador quiser estudar as casas velhas
de uma comunidade, não saberá que, entre as portas da frente e do
meio, há a entrada da sala de visitas. Que o cômodo onde se toma
refeições é chamado de varanda, e que para transitar nos aposentos
mais íntimos, é preciso passar de um quarto ao outro – uma forma
de controle sobre as mulheres.
Tudo isso é história
pura, resquícios de uma época. A casa colonial é como um livro, e
ao estudá-la, aprendemos como viviam seus moradores há séculos.
Mas aí vem o Fachadismo e apaga esse livro, rasga suas folhas
internas e deixa apenas a capa intacta.
Em seu maravilhoso livro
“Uma ponte para o mundo goiano do
século XIX: Um estudo da casa meia-pontense”, a historiadora
Adriana Mara Vaz de Oliveira adentrou em diversas residências
pirenopolinas e traçou uma planta baixa, sem escalas, de algumas
delas. Tal iniciativa, se continuarem as demolições, estarão
inviabilizadas em pouco tempo.
Por conta disso tudo, é
que este site é contra o Fachadismo arquitetônico, no que se refere
à preservação do patrimônio tombado. Que este
artigo seja um marco de mudança de mentalidade. Espero que cesse a
destruição oficializada de nossa história, antes que não tenhamos
mais nada que mostrar para a prosperidade.
Adriano Curado
Bibliografia:
BENEVOLO,
Leonardo. História da Cidade. São Paulo: Perspectiva, 1999.
BUENO,
Alexei; CAVALCANTI, Lauro; e TELLES, Augusto Carlos da Silva. O
Patrimônio Construído. São Paulo: Capivara, 2002.
HOLANDA,
Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das
Letras, 200
OLIVEIRA,
Adriana Mara Vaz de. Uma ponte para o mundo goiano do século XIX: Um
estudo da casa meia-pontense. Goiânia: Agepel, 2001.
PUPPI,
Marcelo. Por uma História não Moderna da Arquitetura Brasileira.
Campinas: Pontes; CPHA/IFCH. 1998
REIS
Fº., Nestor Goulart. Evolução Urbana no Brasil 1500 / 1720. São
Paulo: Pini, 2000.
Isso não é privilégio de Pirenópolis, meu caro. Na cidade de Goiás estão também demolindo os casarões histórico da mesma forma como você descreve aqui. E o que é pior, com o aval oficial.
ResponderExcluirO interior de uma casa é a intimidade de um lar, a intimidade de uma família. A família pirenopolina conhece seus meandros. Já o comprador do casarão, não. Sua intimidade foi forjada em aço e concreto. É neles que se sente bem. O fachadismo é uma ilusão de que se preserva o patrimônio. Pois o patrimônio é de quem o legado recebeu. De quem o perpetua na alma. E não como um belo quadro de parede. Assim como as réplicas e os altares descascados, ou pior, a falta deles. Parabéns pelo artigo.
ResponderExcluirO Fachadismo é uma aberração da arquitetura se usado para demolir prédios históricos em perfeito estado de conservação. Só se justifica, como você bem disse, quando não há mais nada a ser restaurado e então é melhor uma réplica do que o vazio. Parabéns pela sua excelente matéria, escritor.
ResponderExcluirMuito bem Adriano Curado, precisamos também fazer uma campanha para preservar os nossos quintais ou que restou deles. Grande abraço!
ResponderExcluirUma cidade cenografia?
ResponderExcluirApoiadíssimo.
ResponderExcluirA tempos Pirenopolis se tornou uma cidade de fachadas. Janelas viraram portas, descentralizaram as famílias do centro histórico. Acho um pouco tarde esse resgate.
ResponderExcluirEnquanto não tivermos uma política séria de preservação do patrimônio histórico, essas demolições continuarão, e o que é pior, oficializada, com amparo legal nas decisões dos órgãos de deveriam manter intactos os prédios. Não adianta conservar fachadas se não há mais o miolo do prédio. Isso é uma lógica. Parabéns pela sua iniciativa, a matéria é muito boa e pode significar uma mudança de mentalidade.
ResponderExcluirVia Sacra na igreja não pode; demolir o interior dos casarões pode. Eita, IPHAN... vai entender...
ResponderExcluirO FACHADISMO É UMA VERGONHA! NA VERDADE É UM JEITO PREGUIÇOSO DE FISCALIZAR A MANUTENÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO. É MUITO MAIS FÁCIL FISCALIZAR UMA OBRA SÓ DE FACHADA QUE O PRÉDIO TODO. É O COMODISMO BRASILEIRO, A POLÍTICA DO FAZ DE CONTAS, A MENTIRA INSTITUCIONALIZADA. É SÓ PEGAR O DECRETO DO TOMBAMENTO FEITO PELO GETÚLIO VARGAS E VOCÊ NOTA QUE O FACHADISMO É ABSOLUTAMENTE ILEGAL.
ResponderExcluirADRIANO CURADO, PARABÉNS PELA SUA INICIATIVA. SANTA CRUZ DE GOIÁS ESTÁ SOLIDÁRIA COM ESSA CAUSA.