terça-feira, 20 de maio de 2014

Diga não ao “Fachadismo”




O Fachadismo arquitetônico é uma técnica de reabilitação de edifícios históricos degradados, onde apenas a fachada do prédio é conservada, sendo o restante descartado. Abre-se mão do “recheio” do patrimônio arquitetônico, que pode inclusive ser historicamente mais rico que o exterior, com o fim de conservar a “casca”.

Um exemplo significativo do emprego dessa técnica é o Pelourinho em Salvador, Bahia, onde uma corrida pela preservação dos casarões históricos, somada à necessidade de torná-los úteis e usáveis, fez com que seu interior fosse totalmente demolido, apenas a fachada ficou de pé.


Prédio do século 18 demolido. Só a fachada restou original.

Às vezes o emprego do Fachadismo é necessário, como ocorreu, por exemplo, na reconstrução do edifício do Cine-Teatro Pireneus, localizado na rua Direita, em Pirenópolis, Goiás. De fato, ali a decisão de se manter apenas a fachada foi acertada. Mas é uma exceção, pois o prédio havia ruído e apenas sua parte anterior, em art déco, ficou de pé.


Destruição de S. Luiz do Paraitinga, São Paulo

Também na reconstrução da cidade de São Luiz do Paraitinga, em São Paulo, foi necessário, em diversas ocasiões, recorrer ao Fachadismo, pois os monumentos desabaram por conta de uma enchente fenomenal. O mesmo ocorreu na Cidade de Goiás, em Goiás, quando uma represa no rio Vermelho levou diversos casarões históricos.


Cheia que destruiu casarões na Cidade de Goiás

Nesses exemplos, assim como no cinema de Pirenópolis, houve a perda total do prédio e tentou-se conservar como deu seu estilo de época. Tais iniciativas devem ser aplaudidas, pois é melhor se ter uma imagem agradável de um cenário, que a visão frustrante de uma degradação.


O Pelourinho é apenas fachada, o interior foi todo demolido.
O que se combate no Fachadismo arquitetônico, no entanto, é a demolição de prédios em bom estado de conservação, para adaptá-lo ao estilo moderno de se viver. Vemos isso constantemente em Pirenópolis. A pessoa compra um casarão histórico, de paredes internas de pau a pique, assoalho de madeira ou tijolos, baldrames e esteios de aroeira, muros de pedras etc. Mas o comprador quer uma casa mais moderna, e então começa a demolição.

A primeira que vem abaixo é a parede de taipa, pois querem a casa com divisórias aprumadas e feitas de material moderno e resistente. Assim não precisa de manutenção anual, como é o caso das taipas. Levanta-se no lugar uma fileira de tijolos furados, parecidos com a parede original. O assoalho de madeira, também de complicada conservação (não pode jogar água, tem que substituir a parte podre), é retirado e em seu lugar instalam cerâmicas modernas e mais funcionais. E já que estamos fazendo uma reforma geral no imóvel, melhor mesmo tirar a aroeira velha e substituí-la por vigas de concreto, pois assim durará infinitamente e não se terá perigo de trincar paredes.


Este casarão do século 19 é exemplo de Fachadismo. Todo o miolo foi demolido

Aí eu pergunto: se fizermos isso com a cidade toda, ainda assim teremos um conjunto arquitetônico que mereça um tombamento? É óbvio que não. Seremos apenas o cenário de uma triste realidade. Patrimônio histórico de tijolo furado e vergalhões de aço não merecem esse nome. Se amanhã, por exemplo, um historiador quiser estudar as casas velhas de uma comunidade, não saberá que, entre as portas da frente e do meio, há a entrada da sala de visitas. Que o cômodo onde se toma refeições é chamado de varanda, e que para transitar nos aposentos mais íntimos, é preciso passar de um quarto ao outro – uma forma de controle sobre as mulheres.

Tudo isso é história pura, resquícios de uma época. A casa colonial é como um livro, e ao estudá-la, aprendemos como viviam seus moradores há séculos. Mas aí vem o Fachadismo e apaga esse livro, rasga suas folhas internas e deixa apenas a capa intacta.

Em seu maravilhoso livro “Uma ponte para o mundo goiano do século XIX: Um estudo da casa meia-pontense”, a historiadora Adriana Mara Vaz de Oliveira adentrou em diversas residências pirenopolinas e traçou uma planta baixa, sem escalas, de algumas delas. Tal iniciativa, se continuarem as demolições, estarão inviabilizadas em pouco tempo.



Por conta disso tudo, é que este site é contra o Fachadismo arquitetônico, no que se refere à preservação do patrimônio tombado. Que este artigo seja um marco de mudança de mentalidade. Espero que cesse a destruição oficializada de nossa história, antes que não tenhamos mais nada que mostrar para a prosperidade.

Adriano Curado


Bibliografia:
BENEVOLO, Leonardo. História da Cidade. São Paulo: Perspectiva, 1999.
BUENO, Alexei; CAVALCANTI, Lauro; e TELLES, Augusto Carlos da Silva. O Patrimônio Construído. São Paulo: Capivara, 2002.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 200
OLIVEIRA, Adriana Mara Vaz de. Uma ponte para o mundo goiano do século XIX: Um estudo da casa meia-pontense. Goiânia: Agepel, 2001.
PUPPI, Marcelo. Por uma História não Moderna da Arquitetura Brasileira. Campinas: Pontes; CPHA/IFCH. 1998
REIS Fº., Nestor Goulart. Evolução Urbana no Brasil 1500 / 1720. São Paulo: Pini, 2000.

10 comentários:

  1. Isso não é privilégio de Pirenópolis, meu caro. Na cidade de Goiás estão também demolindo os casarões histórico da mesma forma como você descreve aqui. E o que é pior, com o aval oficial.

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  2. O interior de uma casa é a intimidade de um lar, a intimidade de uma família. A família pirenopolina conhece seus meandros. Já o comprador do casarão, não. Sua intimidade foi forjada em aço e concreto. É neles que se sente bem. O fachadismo é uma ilusão de que se preserva o patrimônio. Pois o patrimônio é de quem o legado recebeu. De quem o perpetua na alma. E não como um belo quadro de parede. Assim como as réplicas e os altares descascados, ou pior, a falta deles. Parabéns pelo artigo.

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  3. O Fachadismo é uma aberração da arquitetura se usado para demolir prédios históricos em perfeito estado de conservação. Só se justifica, como você bem disse, quando não há mais nada a ser restaurado e então é melhor uma réplica do que o vazio. Parabéns pela sua excelente matéria, escritor.

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  4. Alencar Camargo Oliveira21 de maio de 2014 às 14:23

    Muito bem Adriano Curado, precisamos também fazer uma campanha para preservar os nossos quintais ou que restou deles. Grande abraço!

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  5. José Maurício Batista21 de maio de 2014 às 14:24

    Uma cidade cenografia?

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  6. Sejana de Pina Jayme21 de maio de 2014 às 14:25

    Apoiadíssimo.

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  7. A tempos Pirenopolis se tornou uma cidade de fachadas. Janelas viraram portas, descentralizaram as famílias do centro histórico. Acho um pouco tarde esse resgate.

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  8. Enquanto não tivermos uma política séria de preservação do patrimônio histórico, essas demolições continuarão, e o que é pior, oficializada, com amparo legal nas decisões dos órgãos de deveriam manter intactos os prédios. Não adianta conservar fachadas se não há mais o miolo do prédio. Isso é uma lógica. Parabéns pela sua iniciativa, a matéria é muito boa e pode significar uma mudança de mentalidade.

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  9. Via Sacra na igreja não pode; demolir o interior dos casarões pode. Eita, IPHAN... vai entender...

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  10. Sandra Maria de Oliveira23 de maio de 2014 às 07:42

    O FACHADISMO É UMA VERGONHA! NA VERDADE É UM JEITO PREGUIÇOSO DE FISCALIZAR A MANUTENÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO. É MUITO MAIS FÁCIL FISCALIZAR UMA OBRA SÓ DE FACHADA QUE O PRÉDIO TODO. É O COMODISMO BRASILEIRO, A POLÍTICA DO FAZ DE CONTAS, A MENTIRA INSTITUCIONALIZADA. É SÓ PEGAR O DECRETO DO TOMBAMENTO FEITO PELO GETÚLIO VARGAS E VOCÊ NOTA QUE O FACHADISMO É ABSOLUTAMENTE ILEGAL.

    ADRIANO CURADO, PARABÉNS PELA SUA INICIATIVA. SANTA CRUZ DE GOIÁS ESTÁ SOLIDÁRIA COM ESSA CAUSA.

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