Não era fácil a vida
dos bebês nas minas de ouro no século dezoito. E as dificuldades
começavam antes mesmo do nascimento. As grávidas não contavam com
acompanhamento médico adequado, não tinham uma alimentação rica
em nutrientes e geralmente trabalhavam bastante: carregavam peso,
cozinhavam, passavam em ferro à brasa, equilibravam potes cheios etc.
A exceção eram as
sinhás, esposas dos ricos proprietários de escravos e donos das
lavras. Mas essas eram poucas. Na sua maioria, as mulheres
trabalhavam muito.
Depois de conhecerem a
luz pelas mãos de uma parteira, os recém-nascidos ainda corriam o
risco da rejeição, principalmente se provinham de alguma relação
não oficializada pela Igreja. A roda dos expostos que existiam em
algumas santas casas de misericórdia naqueles tempos é prova disso.
Se tudo fosse bem na
gestação, no parto e no lar, o bebê podia ainda sofrer as doenças
que assolavam as minas insalubres. O local era infestado por ratos,
insetos e outros seres peçonhentos. Doenças como difteria, chagas e
febre amarela eram comuns, agravadas pela falta de higiene do povo da
época. A dengue ainda não se manifestara, embora o primeiro lote de
aedes aegypti já zumbisse nos porões dos navios negreiros
africanos. Quando os primeiros habitantes se instalaram aqui, as
crianças menores dormiam em jaulas para escapar dos morcegos
vampiros.
Tudo que foi escrito
acima vale apenas se o recém-nascido fosse uma criança livre. Se
nascesse escravo, seu destino era cruel. Separado da mãe antes do
desmame, era vendido para mercadores de gente e nunca mais voltava ao lar.
Outro ponto contra os
bebês era o constante deslocamento da população das minas, que
vivia atrás de locais prósperos. Mal o ouro esgotava em um local e
eles já partiam para outro mais promissor. E as viagens eram
sofríveis. Estradas que não passavam de picadas, transporte em
mulas ou carroções. Faltavam pontes e chovia demais.
Havia também as
superstições, o medo de mandingas, as discutíveis tradições
orais etc.
O modo de vida nas minas
de ouro no século dezoito eram semelhantes em todos os lugares. A
realidade vivida em Minas Gerais se aproximava à de Goiás, e portanto de
Meia Ponte. Os estudos realizados, desta forma, aproveitam-se para
todos os sítios.
Por tudo isso, eu concluo
que a decisão de ter um filho em Meia Ponte à época da mineração
se tornava uma aventura. Mas as famílias eram numerosas, o que
compensava as perdas de vidas naqueles tempos difíceis. A altíssima
taxa de mortalidade infantil constituía uma triste realidade.
Adriano Curado
Fonte:
ABREU, Jean. O corpo, a
doença e a saúde: o saber médico luso-brasileiro no século XVIII.
2006. Tese (Doutorado)
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006.
______. A colônia
enferma e a saúde dos povos: a medicina das “luzes” e as
informações sobre as enfermidades da América portuguesa. História,
Ciências e Saúde, Manguinhos, v. 14, n. 3, jul./set. 2007.
ALMEIDA, Carla B.
Medicina mestiça: saberes e práticas curativas nas minas
setecentistas. São Paulo: Annablume, 2010.
BOXER, Charles. A idade
do outro no Brasil. Dores de crescimento de uma sociedade colonial.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.
FURTADO, Júnia.
Barbeiros, cirurgiões e médicos na Minas colonial. In: Revista do
Arquivo Público Mineiro, ano XLI, jul./dez. 2005.
Nossa, Adriano Curado, esse foi de longe seu melhor artigo. Confesso que chorei ao ler como sofriam as crianças naqueles tempos terríveis. Parabéns, você é um grande escritor, alguém que se reinventa a cada novo texto e nos surpreende.
ResponderExcluirMuito tocante e sofrido. Muito bem pelo sensibilidade e pelo olhar.
ResponderExcluirPapai já dizia que somos uma geração que nasceu no paraíso comparando com tempos vividos por nossos ancestrais e ainda tem gente que reclama! Sua curiosidade foi interessante pois o texto nos mostra o sofrimento e as lutas enfrentadas por nossos povos até aos dias de hoje. Parabéns!
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