segunda-feira, 26 de novembro de 2012

A esquadra e os tupiniquins




A esquadra e os tupiniquins
(reflexão)

     Até que o pessoal do DF descobrisse que logo ali, bem pertinho, detrás das montanhas, havia um lugarzinho especial, cheio de cachoeiras belíssimas, Pirenópolis era um lugar tranquilo.


     Tranquilo até demais!


Início da rua Direita
   Não havia ainda acontecido o boom imobiliário motivado pela bolha turística que se formou rapidamente. Os casarões pouco valiam. Era a época dos quintais imensos, cheios de mangueiras encorpadas e de galos músicos que despertavam a gente de madrugada. Mais tarde, com as especulações imobiliárias, esses mesmos quintais foram fatiados para ali construírem pousadas, restaurantes etc.

     Naqueles tempos, festas populares mesmo só as tradicionais – a do Divino, a Semana Santa, Morro dos Pireneus, Capela do Rio do Peixe. A pasmaceira dominava as ruas e os hábitos pirenopolinos permaneciam intactos. Se fosse antes, não vingarias projetos como o Canto da Primavera, por exemplo.


     Vou falar um pouco sobre gastronomia. A comida nunca foi sofisticada por estas bandas. No dia a dia comia-se o trivial, arroz com feijão, carne de frango ou de gado, e raramente peixe. Verduras e frutas se colhia na horta do quintal, então não era um bom negócio os sacolões.

     Minha avó, já na entrada da casa dos 90 anos, me conta que em casa de seus pais, ali pela década de 1930, comia-se fartamente alface, tomate e cenoura.

Os tapuias na Festa do Divino de Pirenópolis

     O empadão pirenopolino é uma delícia e diferenciado do da Cidade de Goiás, mas esse prato por aqui era somente no final de ano, preferencialmente na noite de Natal. Só agora, para satisfazer o paladar dos turistas, é que serve-se empadão o ano todo.

Antiga rua do Rosário,  hoje rua do Lazer

     A atual Rua do Lazer, tão movimentada com bares e restaurantes, antes da década de 1990 não passava de um lugar comum, com residências e vendas (pequeno comércio familiar) de secos e molhados.

     No início da rua, na parte de baixo, morava o médico dr. Cinval de Carvalho, depois vinham as casas de Soquinho e Belinha, do seu Otávio e dona Rosa, da família Figueiredo, da família Siqueira, da família Jayme, e a da família Lopes, onde hoje está a Pousada Walkeriana, etc.


     Acredito que aquela era a verdadeira Pirenópolis, porque depois da “invasão” turística, inventaram uma outra cidade. Somos agora qual os tupiniquins que se entusiasmaram com a multicolorida esquadra de Cabral. Muito do que se faz aqui é voltado para o agrado do turista. Não que eu seja contra o turismo, longe de mim. Mas entendo que a cidade pode mostrar sua verdadeira face e agradar, em vez de se enfeitar com penas coloridas e cantos sedutores.

Canto da Primavera na rua do Lazer

     Antes que nos descobrissem por aqui, tínhamos uma vida pacata de pasmaceira, dessa de cadeiras nas calçadas e serenatas, de bom papo ao borralho do fogão a lenha e planos bem limitados para os padrões de hoje.

Altares originais da Igreja Matriz

     Agora que nos descobriram, nossa vida começa sexta-feira, quando os carros descem em filas intermináveis pela Avenida Joaquim Alves e termina no domingo à tarde, quando ele vão embora.

     Que sorte a nossa que aquela esquadra aportou em terras tão desoladas. Agora somos civilizados e globalizados.

Adriano César Curado

9 comentários:

  1. É de fato muito preocupante quando um povo começa a perder sua identidade, num processo de aculturação irreversível. Veja o caso dos índios de Aruanã, por exemplo, que hoje não passam de figuras em preto e branco que vendem artesanato. Sua postagem é um alerta importante e oportuno.

    Parabéns, escritor.

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  2. Caro Adriano,
    Todo lugar muito explorado pelo turismo perde um pouco a autenticidade; tome p.e. o caso de Ouro Preto, Paraty e Olinda, para falarmos só de cidades históricas - neste sentido, achei seu post um pouco contraditório (qual é a verdadeira face de Piri?!), além de contaminado pela nostalgia, um sentimento perigoso, pois confunde-se o passado com o presente...
    abs

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  3. Na minha opinião, acho que se deve frear essa perda de identidade o quando antes, para que a cidade não se desvirtue por completa e deixe de ser essa pérola goiana.

    Não achei o texto contraditório. O autor joga com episódios do passado e do presente para criar uma discussão, como essa que estamos alimentando aqui. E o que é melhor, não conclui, deixando isso a cargo do leitos.

    Sua postagem ficou perfeita para mim.

    Um beijo.

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  4. Escritor, acredito que esta seja sua melhor postagem neste site. Falar do choque cultural é fácil, difícil é usar as figuras de linguagem como você o faz e ainda soltar a paina ao vento sem maiores considerações.

    De fato, poucos conseguem captar uma mensagem desse porte, preferem tudo mastigadinho.

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  5. Texto bem escrito e que nos mostra os diversos caminhos que a cidade precisa trilhar até chegar ao ponto certo. Concordo plenamente com a Célia Holanda, poucos são os que compreendem um reflexão velada.

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  6. Testo ótimo, Adriano, sem retoques ou ressalvas. Você aborda bem o tema proposto e deixa na gente aquela impressão de perda de identidade cultural. Meus parabéns.

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  7. Adorei a forma cambiante com que trata o assunto e a técnica de deixar as conclusões para o leitor.

    Você escreve muito bem. Parabéns.

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  8. Ficou ótimo. Através da inversão das figuras você alcança o resultado que quer.

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  9. Ah! E quanto ao saudosismo, quem não o é?!

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