segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Quatro escribas centenários

Espaço José J. Veiga, na Biblioteca Central do SESC: eu e Lucas com o busto de Veiga e a placa dos quais me orgulho

Enfim, e sob o silêncio das entidades e instituições locais, bem como da mídia (como anda desmemoriada a mídia!), começamos 2015, o ano que marca os 100 anos de nascimento de José J. Veiga (2 de fevereiro), Eli Brasiliense (18 de abril), Bernardo Élis (15 de novembro) e Carmo Bernardes (2 de dezembro).

O mais goiano dos mineiros: Carmo Bernardes.

Esses goianos (um deles, nascido em Minas, radicou-se com a família em terras nossas aos quatro anos de idade: o “patureba” Carmo) destacaram-se a partir da década de 40 como escritores de realce. Carmo foi o mais completo dos nossos regionalistas, considerando-se a riqueza e exatidão de seu vocabulário roceiro. Foi premiado com o prêmio Casa de Las Américas, em Cuba.

Veiga e Bernardo nasceram em Corumbá de Goiás. Veiga, numa fazenda bem próxima de Pirenópolis, o que faz com que a vetusta Meia-Ponte o tenha também por filho, e Bernardo na cidade que sempre me lembra um presépio. Sobre ambos, o escritor José Mendonça Teles perguntou a Bernardo Élis quando suas infâncias se cruzaram na minúscula Corumb. Bernardo respondeu de modo pitoresco: “Nunca-não, ele morava na rua-de-baixo”. Curiosamente, a citada rua-de-baixo dá frente para a Praça da Igreja e a rua-de-cima era a primeira paralela, isto é, a casa de Bernardo ficava na mesma quadra, quase que os quintais se dividissem pelo mesmo muro.

Eu e Eli, entrega do Troféu Tiokô, em 1998


Eli Brasiliense (autor de Pium, romance sobre o garimpo do pequeno povoado de sua Porto Nacional) teve o privilégio de uma boa base escolar – coisa que, parece-me, era comum nas poucas escolas do antigo Norte de Goiás, graças à ação educacional dos padres católicos. Migrou para o Sul do Estado, suponho que sob o chamamento da construção da nova capital. Viveu uns tempos em Pirenópolis, onde teve uma tipografia. Contava-me meu pai que teve com Eli o seu primeiro emprego, como aprendiz na pequena indústria. Em Pirenópolis se casou (era concunhado do saudoso professor Gomes Filho e grandes amigos). Seu livro Chão Vermelho é tido como o primeiro romance ambientado em Goiânia.


 
Bernardo já desfrutava do respeito da sociedade quando, no mandato do primeiro prefeito de Goiânia, escreveu Ermos e Gerais, que estreou a Bolsa de Publicações Hugo de Carvalho Ramos, mantida desde então pela Prefeitura de Goiânia. Seu pai, Erico (a pronúncia é paroxítona, ao contrário de seu parônimo Érico Veríssimo), também foi escritor e membro da Academia Goiana de Letras. Bernardo foi membro efetivo da Academia Brasileira de Letras.

 
José J. Veiga e eu, na Barraca do Escritor (Feira Hippie, em 1982)

Deixei por último o aniversariante do próximo dia 2, José J. Veiga. Aos vinte anos, ele se mudou da Cidade de Goiás, ainda capital do Estado, para o Rio de Janeiro. De lá, viajou a Londres, onde viveu a segunda metade da década de 40. Voltando ao Brasil, casou-se com a Sra. Clérida, ao lado de quem faleceu em 1999, quase meio século depois. Estreou em livro com Cavalinhos de Platiplanto, em 1959. Grande contista, aventurou-se também no romance e foi traduzido em dezenas de países (em breve, será publicado na Holanda). A Companhia das Letras, que detém o direito de publicação de sua obra, anuncia novas edições a partir deste ano, festejando o centenário.

Por iniciativa pessoal minha, o acervo literário de José J. Veiga foi doado ao SESC de Goiás e, graças ao senso de determinação e sensibilidade do diretor geral Giuglio Cysneiros, encontra-se dignamente instalado na Biblioteca Central, na Rua 15, em Goiânia.

Pois bem: desde meados do ano passado, tenho escrito sobre estes quatro grandes das nossas letras, tentando sensibilizar instituições e entidades, autoridades e líderes do ambiente cultural e educacional, mas sem êxito. Parece-me que a memória brasileira está mesmo condenada ao esquecimento. Até onde sei, somente o SESC prepara uma solenidade para meados de março, em torno de José J. Veiga, sem, contudo, participação mais destacada dos locais. Mas, é certo, cada um de nós festejará o autor de Sombra de Reis Barbudos na plenitude de nossos corações.

Luiz de Aquino é jornalista e escritor

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