O ato do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) de proibir, sem nenhuma fundamentação, que se dependurasse os quadros da via-sacra do Pérsio Forzani nas paredes da Matriz, motivaram-me a escrever o artigo abaixo. Ele foi originalmente publicado no jornal Diário da Manhã de hoje (25.4.13), Caderno Opinião, p. 7.
A
igreja Matriz de Pirenópolis
A
igreja Matriz de Pirenópolis era
um dos mais antigos templos de Goiás, relíquia bandeirante que
chegou intacta até nossos dias. Em 5 de setembro de 2002, a igreja
se incendiou em circunstâncias jamais esclarecidas, pois a perícia
não foi conclusiva, e
o fogo
consumiu o telhado e toda a parte interna do monumento.
Diante
da comoção geral, a Sociedade dos Amigos de Pirenópolis (SOAP),
através do seu presidente José Reis, arregaçou as mangas e deu o
pontapé inicial para a reconstrução do templo. Era preciso com
urgência iniciar as obras
consideradas básicas: restauração arquitetônica e reforço
estrutural. Só restaram as paredes de pé e parte das torres. O
restante virou pó.
O
planejamento da reconstrução incluiu as etapas seguintes: em
um primeiro momento foi trabalhada a parte física externa
da Matriz, que
incluiu a
troca da estrutura de madeira, reforço na estrutura das paredes de
taipa de pilão, montagem do telhado, fabricação
de portais
e janelas, bem
como a
reconstrução
de toda a parede dos fundos, que desabou.
No momento seguinte, interviu-se na
parte física interna, que
abrangeu
o coro, os balaústres,
as escadas, os forros e os
pisos.
Por fim, restou a
derradeira etapa, que é justamente a de reconstrução da
parte artística da
Matriz. Não se sabia o que fazer e a discussão
sobre
esse complicado projeto ficou para depois, dada
à complexidade de se refazer, por exemplo, o estuque da capela-mor
ou os altares. Ocorre que a conclusão dessa última etapa jamais foi
descartada, uma vez que é possível executá-la, já que a Matriz
tem
fotografias
e vídeos
digitalizados
de
todo seu conteúdo artístico queimado; mas
também não foi iniciada, e a falta de conclusão do assunto
assombra
os
pirenopolinos desejosos
do fim da obra.
Dois
acontecimentos recentes
me motivaram a escrever este artigo. O primeiro é
a
constante insatisfação
da população
pirenopolina com o atual estado da igreja Matriz, cujas obras pararam
na reconstrução
física
e
não se tem um posicionamento oficial do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) sobre a reconstrução da
parte artística. Essa tomada de decisão é importante para, se for
o caso, buscar-se na Justiça Federal, que é o foro competente, uma
solução definitiva para a questão. Só
quem foi batizado ou se
casou
na
matriz
sabe a tristeza de ver
os nichos vazios, a taipa de pilão
exposta
como uma ferida que não quer cicatrizar.
O
segundo acontecimento foi a proibição
de se dependurar os
quatorze quadros da via-sacra
pintados por
Pérsio
Forzani, um grande artista da terra, deficiente
físico, que despendeu tempo e doloroso esforço para concluir a
empreita a que se dispôs.
Pelo que soube, os quadros não
podem ser afixados porque a Matriz é
um edifício
tombado. E
mais uma vez a população não foi oficialmente comunicada dos
motivos da proibição, o que, como no caso dos elementos artísticos,
impossibilita que, vencida a etapa administrativa, se busque
judicialmente uma definição sobre o assunto.
Tanto
o IPHAN quando a população pirenopolina certamente que têm em meta
apenas a conservação, o mais original possível, de todo o conjunto
arquitetônico que Pirenópolis herdou dos antepassados. E se a meta
é uma só, então o consenso e o diálogo são as ferramentas mais
indicadas. Decisões tomadas em gabinetes e impostas como um pacote
lacrado não têm boa acolhida e nem facilitam a reaproximação
necessária entre as partes. Falta comunicação, bom senso, boa
vontade, que são o tempero para criar o manjar da harmonia e da
pacificação.
Por
tudo isso, espero que os atuais gestores públicos da área reflitam
sobre o assunto. Lembrem-se de
que,
se temos hoje uma arquitetura de relevante valor histórico,
é
porque a população
nativa se empenhou em conservá-la,
motivo
pelo qual
essa mesma população
precisa
ser ouvida sobre o destino da cidade.
Adriano Curado
Corajoso o seu texto, dr. Adriano Curado. Homens valorosos como você merecem o nosso respeito e admiração. Você usa o dom que Deus lhe deu para fazer o bem.
ResponderExcluirAdriano, não tem sentido o Iphan trabalhar contra a população desta maneira. Conheço o órgão em muitos lugares do Brasil e ele é idolatrado pelo povo. Só em Pirenópolis veja essa briga toda.
ResponderExcluirTambém li e parabenizo-o. Estás coberto de razão. O patrimônio é de posse de quem o legado herdaste, e não de arquitetos ateus e estrangeiros, que em nome de estéticas relativas e pessoais renegam o litúrgico e não oferecem solução para a adoração costumaz. E deve ser de direito de seu herdeiros diretos tratar ao modo que convém seu legado. Ademais, é um templo religioso e faz parte da cultura adornar os templos ao sabor de seus fiéis. Argumentar que tal patrimônio deixou de ser regional e passou a ser nacional é uma usurpação quando a liberdade de expressão artística e religiosa daqueles que fazem uso do monumento a séculos é suprimida.
ResponderExcluirEntendo esse povo (?) não. Por um lado quer re-fabricar a decoração barroca da Matriz... Por outro, quer pinturas (belíssimas, claro!) de estilo naïf... Caberá Arte Pop também (no estilo, mais ou menos, das musiquinhas que cantam lá)? O Ifão está em busca de coerência e$$$$tilistica, gente! Tenderam não?
ResponderExcluirO autoritarismo e insatisfação com o IPHAN não é só aqui, um amigo de Ouro Preto - MG me compartilhou : Estamos convidando a todos amigos do Santuário de Nossa Senhora da Conceição para um abraço ao Santuário, dia 11 de maio de 2014 ás 10h00 horas pela indignação com os responsáveis (Iphan) pelo fechamento do Santuário e não darem satisfação aos paroquianos,moradores do bairro , comerciantes, artesãos e turistas,que frequentam o Santuário e sobrevivem do comércio em seu entorno.
ResponderExcluirAdriano, sobre o abraço de Ouro Preto: http://g1.globo.com/minas-gerais/noticia/2014/05/moradores-de-ouro-preto-fazem-protesto-por-reforma-de-igreja.html
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