sexta-feira, 25 de abril de 2014

Matéria no Diário da Manhã sobre a Matriz de Pirenópolis


O ato do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) de proibir, sem nenhuma fundamentação, que se dependurasse os quadros da via-sacra do Pérsio Forzani nas paredes da Matriz, motivaram-me a escrever o artigo abaixo. Ele foi originalmente publicado no jornal Diário da Manhã de hoje (25.4.13), Caderno Opinião, p. 7.



A igreja Matriz de Pirenópolis

A igreja Matriz de Pirenópolis era um dos mais antigos templos de Goiás, relíquia bandeirante que chegou intacta até nossos dias. Em 5 de setembro de 2002, a igreja se incendiou em circunstâncias jamais esclarecidas, pois a perícia não foi conclusiva, e o fogo consumiu o telhado e toda a parte interna do monumento.

Diante da comoção geral, a Sociedade dos Amigos de Pirenópolis (SOAP), através do seu presidente José Reis, arregaçou as mangas e deu o pontapé inicial para a reconstrução do templo. Era preciso com urgência iniciar as obras consideradas básicas: restauração arquitetônica e reforço estrutural. Só restaram as paredes de pé e parte das torres. O restante virou pó.

O planejamento da reconstrução incluiu as etapas seguintes: em um primeiro momento foi trabalhada a parte física externa da Matriz, que incluiu a troca da estrutura de madeira, reforço na estrutura das paredes de taipa de pilão, montagem do telhado, fabricação de portais e janelas, bem como a reconstrução de toda a parede dos fundos, que desabou. No momento seguinte, interviu-se na parte física interna, que abrangeu o coro, os balaústres, as escadas, os forros e os pisos.

Por fim, restou a derradeira etapa, que é justamente a de reconstrução da parte artística da Matriz. Não se sabia o que fazer e a discussão sobre esse complicado projeto ficou para depois, dada à complexidade de se refazer, por exemplo, o estuque da capela-mor ou os altares. Ocorre que a conclusão dessa última etapa jamais foi descartada, uma vez que é possível executá-la, já que a Matriz tem fotografias e vídeos digitalizados de todo seu conteúdo artístico queimado; mas também não foi iniciada, e a falta de conclusão do assunto assombra os pirenopolinos desejosos do fim da obra.

Dois acontecimentos recentes me motivaram a escrever este artigo. O primeiro é a constante insatisfação da população pirenopolina com o atual estado da igreja Matriz, cujas obras pararam na reconstrução física e não se tem um posicionamento oficial do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) sobre a reconstrução da parte artística. Essa tomada de decisão é importante para, se for o caso, buscar-se na Justiça Federal, que é o foro competente, uma solução definitiva para a questão. Só quem foi batizado ou se casou na matriz sabe a tristeza de ver os nichos vazios, a taipa de pilão exposta como uma ferida que não quer cicatrizar.

O segundo acontecimento foi a proibição de se dependurar os quatorze quadros da via-sacra pintados por Pérsio Forzani, um grande artista da terra, deficiente físico, que despendeu tempo e doloroso esforço para concluir a empreita a que se dispôs. Pelo que soube, os quadros não podem ser afixados porque a Matriz é um edifício tombado. E mais uma vez a população não foi oficialmente comunicada dos motivos da proibição, o que, como no caso dos elementos artísticos, impossibilita que, vencida a etapa administrativa, se busque judicialmente uma definição sobre o assunto.

Tanto o IPHAN quando a população pirenopolina certamente que têm em meta apenas a conservação, o mais original possível, de todo o conjunto arquitetônico que Pirenópolis herdou dos antepassados. E se a meta é uma só, então o consenso e o diálogo são as ferramentas mais indicadas. Decisões tomadas em gabinetes e impostas como um pacote lacrado não têm boa acolhida e nem facilitam a reaproximação necessária entre as partes. Falta comunicação, bom senso, boa vontade, que são o tempero para criar o manjar da harmonia e da pacificação.

Por tudo isso, espero que os atuais gestores públicos da área reflitam sobre o assunto. Lembrem-se de que, se temos hoje uma arquitetura de relevante valor histórico, é porque a população nativa se empenhou em conservá-la, motivo pelo qual essa mesma população precisa ser ouvida sobre o destino da cidade.

Adriano Curado

6 comentários:

  1. José Antônio de Godoy25 de abril de 2014 às 18:20

    Corajoso o seu texto, dr. Adriano Curado. Homens valorosos como você merecem o nosso respeito e admiração. Você usa o dom que Deus lhe deu para fazer o bem.

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  2. Adriano, não tem sentido o Iphan trabalhar contra a população desta maneira. Conheço o órgão em muitos lugares do Brasil e ele é idolatrado pelo povo. Só em Pirenópolis veja essa briga toda.

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  3. Mauro Henrique Dias Cruz25 de abril de 2014 às 22:04

    Também li e parabenizo-o. Estás coberto de razão. O patrimônio é de posse de quem o legado herdaste, e não de arquitetos ateus e estrangeiros, que em nome de estéticas relativas e pessoais renegam o litúrgico e não oferecem solução para a adoração costumaz. E deve ser de direito de seu herdeiros diretos tratar ao modo que convém seu legado. Ademais, é um templo religioso e faz parte da cultura adornar os templos ao sabor de seus fiéis. Argumentar que tal patrimônio deixou de ser regional e passou a ser nacional é uma usurpação quando a liberdade de expressão artística e religiosa daqueles que fazem uso do monumento a séculos é suprimida.

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  4. Francisco Figueiredo25 de abril de 2014 às 22:05

    Entendo esse povo (?) não. Por um lado quer re-fabricar a decoração barroca da Matriz... Por outro, quer pinturas (belíssimas, claro!) de estilo naïf... Caberá Arte Pop também (no estilo, mais ou menos, das musiquinhas que cantam lá)? O Ifão está em busca de coerência e$$$$tilistica, gente! Tenderam não?

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  5. O autoritarismo e insatisfação com o IPHAN não é só aqui, um amigo de Ouro Preto - MG me compartilhou : Estamos convidando a todos amigos do Santuário de Nossa Senhora da Conceição para um abraço ao Santuário, dia 11 de maio de 2014 ás 10h00 horas pela indignação com os responsáveis (Iphan) pelo fechamento do Santuário e não darem satisfação aos paroquianos,moradores do bairro , comerciantes, artesãos e turistas,que frequentam o Santuário e sobrevivem do comércio em seu entorno.

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  6. Adriano, sobre o abraço de Ouro Preto: http://g1.globo.com/minas-gerais/noticia/2014/05/moradores-de-ouro-preto-fazem-protesto-por-reforma-de-igreja.html

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