SÉRIE BIOGRAFIAS
MARIA FLEURY
Maria Fleury
(Pirenópolis 08.11.1920 – 06.06.1984.) foi pintora, escultura,
professora e artesã.
Era filha de Benedita
d'Abadia Siqueira (Beni) e de Luiz Perilo Lobo Fleury. Nasceu
na Fazenda Santa Rita, Município de Pirenópolis, Goiás, que
pertencia ao seu pai Luiz
Perilo Lobo Fleury. Passou
a se chamar Maria de Beni por conta do apelido da mãe, como é
costume ainda hoje no interior.
Quando
criança, ainda morando na fazenda onde nasceu, ela
descascava mandioca com um canivete e
esculpia pequenos animais, rostos. Chegou até a criar um presépio
completo. Depois se
aprimorou, passou a
trabalhar com argila e
madeira. Fez diversas
imagens em
cedro, como São Francisco e
Nossa Senhora Santana.
Ela
trabalhava dura na terra, era uma peoa do pai, e cuidava até do
gado. Na fazenda, Maria se casou e teve dois filhos: José Antônio
Fleury Lopes e Fátima Maria Fleury. Foi forçada a se mudar para a
cidade, pois o filho adoeceu, contraiu meningite, e necessitava de
cuidados constantes. Mais tarde, seus pais perderam a fazenda numa
transação comercial malsucedida e foram morar com a filha em
Pirenópolis. A família estava sem dinheiro e Maria começou a
lecionar para sustentar os filhos e os pais.
Segundo
sua filha Fátima, Maria disse: “Tenho esse dom, vou lançar mão
dele para complementar a renda familiar.” Ela lecionava na zona
rural e fazia os trabalhos artesanais à noite. À época, apenas
Maria Fleury e Natércia Siqueira Fleury consertavam os santos
quebrados ou desgastados pelo tempo. As pessoas diziam: “Vou levar
meu santo para Maria de Beni encarnar.” O santo chegava estragado e
saia novo.
Começou
também a fazer pintura em tecido. Na década de 1960, as moças
usavam lenços com pintura na parte de trás, e ela pintava as
encomendas com temas variados: rostos, flores etc. Quando chegaram os
primeiros fogões a gás, ele teve a ideia de enfeitar as capas de
botijões. Desenhava uma baiana numa tábua, serrava, pintava, e o
botijão era o corpo onde vistiam uma saia.
Maria
de Beni confeccionava as vestimentas dos cavaleiros de Cavalhadas,
tal qual faziam dona Veronquinha e Natércia de Siqueira. Maria
vestiu Ataliba por muitas Cavalhadas, e também pintou as lanças
para o cavaleiro Joviano. Nessas atividades era auxiliada por sua
filha Fátima. Sua arte também era aplicada em duas difíceis peças
da vestimenta dos cavaleiros de Cavalhadas: a cachaceira (enfeita que
vai sobre a clina do cavalo) e a rabeira (uma espécie de círculo
enfeitados que se coloca na anca da montaria).
Segundo
ainda Fátima, o Olímpio Jayme foi quem muito valorizou o trabalho
de Maria de Beni. Ele encomendou a primeira cavalhada em miniatura.
Mandou fazer o campo, com os pequenos camarotes em redor, distribuiu
os cavalos e protegeu tudo numa cobertura de acrílico. Essa peça
está exposta no casarão da família Jayme em Pirenópolis. De
acordo ainda com Fátima: “Essa cavalhada é totalmente diferente
das últimas que minha mãe fez. Esses primeiros cavaleiros eram
menores e mais toscos.” A partir dessa primeira encomenda, Maria
começou a reproduzir o folclore pirenopolino. Como já costurava as
vestimentas dos cavaleiros passou a confeccionar roupas em miniatura
para suas estatuetas.
O
tamanho dos cavaleiros era no palmo da mão de Maria, com essa medida
ela tirava o cumprimento e a altura. Sobre uma base de madeira, fazia
metade da peça, depois a outra, que ficavam inicialmente toscos, e
só então ela esculpia o cavalinho, dava as formas para ele. Passava
horas no delicado trabalho de acertar a peça com um canivete,
assoprava, raspava de novo. Depois que secava, então era a hora de
queimar. Ela não possuía um forno apropriado, usava o fogão a
lenha. Produzia o braseiro e enfiava o cavalinho no meio. De vez em
quando, escutava-se um estouro, e Maria, com paciência e zelo,
procurava nas cinzas cada pedacinho que se soltava, unia tudo,
reconstituía o que estava quebrado. Fazia o cavalo e “montava” o
cavaleiro. Só após começava a pintar. Em seguida, com a ajuda de
sua filha Fátima, costurava as roupas, e as cores usadas eram o azul
ou o vermelho, o branco e o preto.
Nesse
meio tempo, entre o final da década de 1960 e início de 1970,
Pirenópolis começou a receber grande quantidade de turistas. Maria
de Beni então viu suas encomendas multiplicarem, o sucesso de seus
cavaleirinhos cresceu. Ela então possou a orientar a filha a
ajudá-la para dar conta da demanda. Fátima franzia as rendas,
pregava lantejoulas no desenho previamente riscado pela mãe,
recortava as fitas, pintava as pequenas lanças, pintava as esporas
de dourado. Por fim saía o cavaleiro pronto. Outro importante
personagem das Cavalhadas de Pirenópolis, os mascarados, passaram a
ser esculpidos por Maria de Beni, que inclusive produzia suas
máscaras móveis. Atendeu a muitas encomendas de pequenos Divinos
Espírito Santo de barro.
Maria
de Beni pintou as bandeiras para imperadores da Festa do Divino, e
para inovar inventou a face dupla da bandeira: de um lado o Divino,
de outro a coroa. Enfeitava o entorno da bandeira com flores de
papel crepom.
Na
década de 1970, não havia venda de flores em Pirenópolis. Maria
então decidiu montar coroas de defunto para o Dia de Finados. Fazia
coroas brancas e roxas, com as fitas pretas ou brancas e escrito em
dourado o nome do morto. Tudo isso de papel crepom, brocal, arame e
um produto que se chamava pão de ouro (um pó dourado ou prata, que
ela dissolvia com água raz). Maria fazia a coroa completa, com flore
e folhas e os dizeres pintados com brocal, e depois de prontas elas
eram penduradas na sala de entrada da casa, à espera do
encomendante.
Fátina
conta que: “No rio de Janeiro tem o museu da arte popular, que era
de um francês chamado Jackes Van de Beuque. Ele encomendou a
cavalhada completa. Vinha a Pirenópolis e se hospedava na casa de
mamãe com a família, tamanha a amizade. Em 2012, a cavalhadinha de
Maria de Beni estava no museu nacional de Brasília numa exposição,
ao lado do trabalho da artista Lunildes.”
Em
1984 suas obras foram escolhidas pela UNESCO para integrar uma
exposição pela Europa. Suas peças estão na Argentina, Chile,
Peru, Uruguaia. São Paulo, Rio, Portugal, Itália, e no Museu do
Louvre, em Paris.
Filmou
entrevista para o programa de televisão Frutos da Terra. Integrou a
mostra “Os sete brasileiros em seu universo” (1974), foi a
escolhida de Goiás. Sua casa era frequentada por artistas,
escritores, jornalistas, colecionadores, curadores.
Maria
de Beni morreu em 1984, aos 64 anos de idade, de enfisema pulmonar,
embora nunca houvesse fumado, provavelmente resultado de duas
pneumonias que teve quando morava numa fazenda. Estava no auge da
produção artística, com inúmeras encomendas. Maria Lobo e
Lunildes são suas discípulas.
Fátima,
no final de sua inestimável ajuda, completa: “Em nome de minha
mãe, declaro meus agradecimentos e carinho por Maria Lobo e
Lunildes, por terem, com sua arte, dado continuidade ao trabalho de
Maria de Beni na confecção das cavalhadas em miniatura. Sinceros
agradecimentos.”
É
Patrono da Cadeira XX da Academia Pirenopolina de Letras, Artes e
Música, cujo Titular é Colandi Carvalho de Oliveira.
Adriano Curado
Meus sinceros agradecimentos à esse valoroso escritor pirenopolino, Adriano Curado, que tem resgatado com muito zelo e dedicação a memória de pirenopolinos valorosos de um passado distante ou recente, trazendo assim ao conhecimento do público atual a história de nossos antepassados que muito colaboraram na impressão digital da cultura pirenopolina. Esse resgate histórico é de importância ímpar para dar o conhecimento aos de hoje de todo um acervo que compõe a identidade de um povo, de um lugar. É a dedicação de um escritor preocupado em acompanhar a dinâmica da realidade sem deixar que a história se perca no tempo. Gratidão para sempre à você Adriano Curado por tudo isso e em especial pela elaboração competente da biografia de Maria Fleury (Maria de Beni), uma das pioneiras no campo das artes plásticas, da cultura popular pirenopolina e de minha mãe saudosa e inesquecível. Grande abraço!
ResponderExcluirUma grande escultora, pessoa dotada de grande dom artístico e que estava praticamente esquecida. Agora vem este texto maravilhoso seu, Adriano, e resgata tão importante personalidade pirenopolina. Meus parabéns pela obra.
ResponderExcluirMeressidíssima homenagem parabéns.
ResponderExcluirUma guerreira!
ResponderExcluirFui muitas vezes em sua casa ver seus trabalhos maravilhosos que guardo até hoje na memoria.
ResponderExcluirOrgulho e exemplo para todos pirenopolinos. Parabéns a ela e ao Adriano pela feliz e pioneira iniciativa.
ResponderExcluirMerecida homenagem. Grande artista. Orgulho de nossa cidade.
ResponderExcluirGrande e grande artista! Você e todos nós devemos nos orgulhar dela.! Parabéns pela mãe especial que você teve!
ResponderExcluirUma verdadeira guerreira! Um exemplo a ser seguido.
ResponderExcluirFatinha, estou emocionada por voce amiga, sempre admiriei sua mae, o trabalho dela, as lutas, agora mais ainda depois de ter lido a biografia. Realmente um orgulho para Pirenopolis, e parabens a voce tambem, que nos bastidores tambem foi e é uma artista. Beijos amiga!
ResponderExcluirMaria Beni, que maravilha Fatinha, mais uma vez quero te parabenizar pela mãe que vc teve, humilde, lutadora, uma grande artista pirenopolina que na sua humildade sabia expressar a sua beleza interior com seus pinceis e bisturis em sua arte; também foi uma ótima filha e tambem boa mãe. Bjs Fatinha.
ResponderExcluirTive o privilégio de conhece-la, fina, gentil e serena. E, certamente, grande artista.
ResponderExcluirMaria Beni, grande mulher , grande guerreira e grande artista !!! Sua obra nos encanta a todos e nos enche de orgulho. Parabéns Fatinha pela merecida homenagem !
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