segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

José J. Veiga, ano 100

Era uma manhã comum de sábado. E era abril, em 1978. Desde alguns meses antes, eu tinha montado, com o sonho e a esperança de publicar, o que sabia ser o meu primeiro livro – um livrinho de contos. E eram os anos do governo do general Geysel, o que falava em distensão gradual e lenta...

Pois era manhã, possivelmente dez horas, quando chegamos à casa de Dona Geny, no Largo do Rosário (Pirenópolis), Luiz Antônio Godinho e eu. Batemos à porta, Esdras nos atendeu e abriu a porta, tal como sempre nos abria o sorriso e o coração de boa amiga. Dissemos que queríamos visitar José Veiga e ele surgiu, silencioso e tímido. Luiz Antônio cuidou de nos apresentar.

Intimidei-me também ante a timidez do famoso contista. E falei com cuidado que a ousadia de invadir sua paz naquela manhã de sol e azul tinha a ver com o meu propósito de fazer um livro...

– Ah! Você também é escritor? – perguntou-me em tom de surpresa enquanto, num breve salto, punha-se de pé e nos deixava.

Olhei para Esdras e Luiz Antônio, nenhum de nós entendeu... E eis que volta José Veiga, trazendo nas mãos dois livros e uma caneta. A mim ofertou Cavalinhos de Platiplanto e ao Luiz Antônio, Sombra de Reis Barbudos. E abriu-se de falas, motivando-me a providenciar logo a publicação dos meus contos.

Ele era assim. Tímido em princípio, mas capaz de quebrar o gelo ao primeiro sinal de afinidade. Cheio de bons conselhos – mas não era fácil arrancar isso dele, não... E cheio de ótimas histórias vividas, que ele só contava quando se sentia à vontade com o parceiro de conversa.

Foi nesse quadro e nesse clima que contou-me, dentre outras coisas, de quando viajava de Goiás (a velha capital) para Leopoldo de Bulhões, onde pegou o trem para o Rio de Janeiro e, ao longe, erguia-se uma nuvem de poeira – o pó vermelho que, anos depois, daria nome ao romance de Eli Brasiliense (o primeiro romance ambientado em Goiânia).

– Ali vai ser a nova capital – disse-lhe o chofer do automóvel especialmente contratado para conduzi-lo à “ponta da linha”, que era a estação de Leopoldo de Bulhões, em 1935.  Sob esse mesmo humor, contava-me de um figurão nos governos de Pedro Ludovico. O funcionário, digno e cônscio, exemplar cidadão e pai de família, morador na Rua 16, no centro de Goiânia, fora dos primeiros a adquirir um automóvel, lá pelos anos 40 ou 50. Acordava cedo e começava a se arrumar, enquanto a mulher lhe preparava o café a ser tomado com os filhos que seguiriam para as escolas. E tinha sempre tempo para ir à garagem, pegar o espanador colorido que ficava dependurado sob o espelho retrovisor interno, remover toda a poeira da pintura escura do Mercury (ou Buick, ou outro modelo) e, após o café, seguir a pé para a repartição.

Veiga gostava também de lembrar os tempos de Londres, os passeios a pé, em ônibus ou trem pela cidade e pelas cercanias. E gostava de metrô, no Rio – morava bem perto de uma estação, na Glória. De seu apartamento, no último andar de um antigo edifício na Praça Paris, desfrutava de uma das mais belas paisagens do Rio, com a Marina da Glória, o Monumento aos Pracinhas, o Aeroporto Santos Dumont e, ao fundo, Niterói, além da barra da Guanabara.  Numa de minhas últimas visitas a ele, vislumbrei aquela vista e comentei, com euforia, a delícia que era morar ali. Ao seu modo brincalhão e provocador, sintetizou:

– O apartamento ao lado está vazio.

Nesta segunda-feira, dia 2 de fevereiro, José J. Veiga completa 100 anos de vida e imortalidade.

Acadêmico Luiz de Aquino

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