A verdadeira riqueza de
uma pessoa está além dos bens que acumula, e a sabedoria creio ser
a maior de todas as fortunas. Passar por uma longa vida e registrar
na memória cada instante do tempo, isso sim é ser rico.
Aos noventa anos de
idade, vó Maria é minha fonte inesgotável de pesquisa. E como sabe
das coisas, minha avó! Eu a admiro a cada dia que passa. Observo-a
no comando das atividades do dia, no conselho que dá às pessoas, no
cuidado com que administra seus bens. Está viúva há trinta anos,
mas ainda fala de vovô com apaixonadas palavras. É lindo isso.
Nossas conversas duram
horas a fio. Ela não se cansa de relembrar o passado, e me
surpreende sempre com fatos que nunca ouvi falar. Não repete
histórias, tem a memória melhor que a minha. Às vezes eu a testo,
peço para contar algo que já falou, e ela responde: “Você acha
que já estou caducando!”
Ultimamente resolvi
filmar nossos bate-papos. Sentamos lá na sala da casa dela e eu
embarco numa nave do tempo fabulosa, com detalhes de cores, cheiros e
sabores. É uma viagem inesquecível. Torço para que o tempo não
passe, para que ninguém não nos interrompa. É muito gratificante
esse momento com vovó.
Em uma das conversas, ela
me contou com detalhes sobre os tropeiros. Fiquei tão entusiasmado
com a narrativa dela que escrevi um livro: O Tropeiro. Para quem não
sabe, tropeiro era um negociante, dono de uma tropa de mulas de
carga.
Contou-me ela que
passavam na loja de seu pai (Josafá de Siqueira), perto do Corgo
Lava-pés, tropas compostas de lotes de até centenas de mulas usadas
para transportar mercadorias de lugares distantes para o comércio
local. Iam negociar com comerciantes grandes como o coronel Luiz
Augusto Curado ou o coronel Chico de Sá etc. Não havia estradas,
nem pontes, e muitos pousos se davam ao relento, sem sequer um rancho
de palha como abrigo. A carga seguia acondicionada dentro de uns
caixotes de couro cru chamados bruacas. Em cada mula, duas bruacas,
uma de cada lado, equilibradas numa cela em formato de X chamada
cangalha.
Disse-me que eles faziam
também as vezes do correio, pois levavam notícias e recados pelos
lugares por onde passavam. E enfrentavam rios cheios, ataques de
bandidos, de feras, de doenças misteriosas. No misticismo lá deles,
traziam junto ao peito para proteção um patuá (pequenina bolsa de
pano costurado com uma oração dentro), dependurado num cordão.
Já pensou na riqueza
cultural de uma conversa dessas?! Senti-me como que transportado para
o início do século vinte, num tempo em que não havia conforto nem
facilidades modernas, mas, ainda assim, se vivia bem.
Adriano Curado
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