segunda-feira, 1 de junho de 2015

Festa do Divino revela uma Pirenópolis autêntica e colorida

Em Goiás, a tradicional festa católica mantém participação popular, e mostra também um lado mais profano, com forró e muita cachaça

Cerca de 20 fiéis levantam o mastro com a bandeira do Divino, em frente à Matriz de Nossa Senhora do Rosário (Foto: Haroldo Castro/Época)

 A missa das 19 horas na igreja Nossa Senhora do Rosário terminou. Vinte homens estão a postos em frente à Matriz. Carregam nas mãos longas varas brancas de três metros. A missão do grupo religioso é levantar um mastro pintado de vermelho e branco, ainda deitado na grama. Não é tarefa fácil. Com a multidão que rodeia o evento, não há espaço para erro.

O buraco está preparado e a base do mastro está próxima à posição de encaixe. A bandeira benzida durante a missa é amarrada na ponta do mastro. O pavilhão do Divino Espírito Santo mostra uma pomba branca, envolta por um círculo amarelo dourado e cabecinhas de anjos.

Os homens levantam a ponta do mastro onde está a bandeira. Quando já não conseguem alcançar com as mãos, passam a usar as hastes brancas para erguê-lo. Algumas das varas terminam em forma de forquilha e escoram o tronco, não deixando-o sair do lugar. Outras possuem uma ponta, como se fosse uma lança, que é espetada no mastro.

A bandeira vai ganhando altura. O grupo de levantadores do mastro aproxima-se da base. O ângulo de apoio é menor, todo cuidado é pouco. Lentamente, a base do tronco desliza e se encaixa na fenda. A multidão aplaude e a bandeira do Divino Espírito Santo, a 20 metros de altura, reina sobre a cidade.

Depois do mastro ser hasteado, uma enorme fogueira é acessa ao lado da igreja iluminada por luzes azuis e vermelhas (Foto: Haroldo Castro/Época)

 Apesar do hasteamento da bandeira ter acontecido no sábado 23 de maio, a festa do Divino começou 15 dias antes. Na sexta 8 de maio, centenas de tropeiros vieram à cidade para dar início ao Giro da Folia. Durante nove dias, os foliões visitam fazendas da região, onde são recebidos com fartos cafés-da-manhã, almoços e jantares.  Alguns dos pousos chegam a receber 10 mil pessoas. O trajeto tem seu sentido religioso, com momentos de orações.

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De origem açoriana, a Festa do Divino remonta às celebrações religiosas portuguesas do século 19. Em Pirenópolis, chegou em 1819 com os jesuítas, que usaram o festejo para catequisar índios e negros. Hoje, em sua 197ª edição, a Festa do Divino engloba Giros de Folia, Reinados, Alvoradas, Novenas, Congadas, Pastorinhas e as famosas Cavalhadas.

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Há quem diga que a festa perdeu um pouco de seu caráter religioso e que muitos só pensam na algazarra. No entanto, o que vimos nesses dias foi uma comemoração muito autêntica, com moradores locais totalmente envolvidos. A Igreja Católica continua a manter um papel fundamental e as principais celebrações acontecem dentro ou em frente à Matriz, uma construção em estilo colonial datada de 1728.

O Imperador da Festa do Divino João Geraldo Costa Pina segura sua coroa de prata, datada de 1826. Acompanhado de sua esposa, a Imperatriz Inácia, o casal sai pelo pórtico da igreja Nossa Senhora do Rosário (Foto: Haroldo Castro/Época)

Na manhã seguinte, estamos de volta à Matriz para acompanhar o cortejo que traz o Imperador à missa matinal. A procissão é um dos momentos mais emblemáticos da Festa do Divino. Ao som da banda local Phoenix – que existe há mais de 120 anos – a família do Imperador segue até a igreja Matriz.  Ele vem acompanhado pelo Cortejo das Virgens, um grupo de meninas pirenopolinas vestidas de branco, representando a pureza.

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A comitiva é aberta por um conjunto de antigas bandeiras do Divino e por quatro grandes flâmulas do Espírito Santo. A procissão é escoltada por milhares de pessoas e constantes explosões de rojões.

O Imperador João Geraldo Costa Pina e sua esposa Inácia seguem em procissão até a igreja Matriz de Pirenópolis (Foto: Haroldo Castro/Época)
Quatro meninas do Cortejo das Virgens levam o símbolo do Divino pelas ruas empedradas de Pirenópolis (Foto: Haroldo Castro/Época)
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Quatro flâmulas abrem o cortejo que levam o Imperador pelas ruas da cidade colonial (Foto: Haroldo Castro/Época)

 O candidato à Imperador precisa ser um homem católico praticante. Seu nome é sorteado pelo padre, um ano antes da festa. Embora seja uma representação, o título de Imperador não é uma figura meramente simbólica. Ele é reverenciado por toda a comunidade e precisa ser um exemplo de conduta. Responsável por organizar as celebrações, deve arrecadar os fundos necessários.

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“Imperador que não tem amigos está perdido,” diz João Geraldo. “Recebi boas colaborações em dinheiro, quatro bois e um porco”. Em 2015, a Festa do Divino custou cerca de R$ 400 mil.

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João Geraldo é uma pessoa de bom coração e muito religioso. “Ter o nome sorteado significou para mim que o Espírito Santo tinha me escolhido para ser o Imperador. No dia, chorei de emoção”, afirma. “O Imperador precisa ter humildade e ser educado e pontual. Não devemos jamais guardar rancores.”
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No cortejo de volta à residência do Imperador, uma das Virgens carrega uma bandeira do Espírito Santo (Foto: Haroldo Castro/Época)

 A procissão regressa à residência do Imperador. Milhares de pessoas acompanham a caminhada de quase um quilômetro pelas ruas empedradas da cidade. O quarteirão em frente à casa de João Geraldo é isolado pela Polícia Militar.

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A multidão se aglomera para tentar receber um pacotinho de Verônicas.  O doce de açúcar, embalado em um véu branco com fitinha vermelha, é distribuído às virgens e a outras crianças. Nesse ano, foram preparadas mais de 8 mil Verônicas.
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Um anjinho que participou do Cortejo das Virgens recebe um pacote com três Verônicas (Foto: Haroldo Castro/Época)

 Precisamos de alguns dias para entender a complexidade da Festa do Divino. Com tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo, é difícil montar o quebra-cabeça de todos os elementos que fazem parte do festejo, como as procissões de Reinado e a participação das Congadas. Sem contar que o mais colorido está ainda por acontecer: as Cavalhadas de Pirenópolis com seus mascarados arruaceiros!
Parte integrante da Festa do Divino, na segunda e na terça-feira duas procissões de Reinado honram Nossa Senhora do Rosário e São Benedito (Foto: Haroldo Castro/Época)
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O Capitão das Congadas Benedito Teodoro dos Santos participa da Festa do Divino desde os 14 anos de idade. Em 2016, completará 50 anos de festejos (Foto: Haroldo Castro/Época)

Matéria de autoria de Haroldo Castro publicada na Revista Época, 29.05.2015

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Adriano Curado