Como marceneiro, produziu ainda móveis e oratórios e trabalhou na reforma da Igreja N. S. do Bonfim em 1887. O ganha-pão, garantiu-o como escrivão de órfãos (1872–1878) e oficial do fórum local (1882–1894). E, como músico, Tonico do Padre foi igualmente versátil. E é aqui que havemos de nos concentrar.
Seus atributos como instrumentista (flauta e saxofone tenor), regente, compositor, arranjador musical e orquestrador são lembrados por diversos contemporâneos. Em 1867, começa a atuar na Irmandade do Santíssimo Sacramento, que no ano seguinte o nomearia responsável pela música instrumental dos eventos promovidos por ela. Um dado interessante é que a irmandade pagava pela produção musical de Tonico do Padre, uma raridade para a época. Em 1868 cria, ao lado do irmão, a Banda Euterpe e passa a ser diretor musical da Igreja da Matriz. Nela atua até o ano de 1897. Em 1872, amplia a atuação na irmandade. Além de responsável pela parte instrumental, passa a dirigir a parte vocal e ganha o título de Diretor Musical e Mestre de Capela.
O temperamento de Tonico do Padre era difícil. Ofendeu verbalmente vários músicos da cidade e compunha mesmo músicas com o intuito de ultrajar algum desafeto. Certamente por isso, em 1898 seria atacado na porta da própria casa, a pauladas. O ataque teve sequelas graves, deixando-o preso a uma cama até falecer em 15 de fevereiro de 1903.
A produção musical de Tonico do Padre é numerosa e diversificada. Escreveu obras sacras e profanas, vocais e instrumentais, para conjuntos maiores, formações menores e até para instrumento solo. Escreveu grande quantidade de missas, hinos, quadrilhas de dança, polcas, valsas, marchas. Musicou um drama, em 1891, Inconfidência Mineira ou Tiradentes. Utilizou formas musicais variadas e seu estilo é, para muitos, único e inconfundível. Pelo menos uma de suas composições, o Concerto dos sapos, é uma pequena obra-prima, quanto mais vista à luz do isolamento pirenopolino. A peça para banda de metais é uma antecipação da música incidental nascida no sertão de imagens monótonas; é uma retomada do espírito do poema sem palavras, das metáforas musicais apenas sugeridas.
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Mas certamente há ainda um segundo motivo para o esquecimento de Tonico do Padre. A história oficial não se sente à vontade para registrar vultos ou obras do interior do País. O País oficial é apenas um recorte do País geográfico. São mínimas, praticamente inexistentes, referências a compositores do Norte ou do Centro-Oeste. Tonico do Padre foi um músico do sertão e para quem olha de fora, não passa de um curiosum, um compositor-instrumentista caricato a macaquear a cultura dos grandes centros. Mas no sertão, talvez justamente aí resida seu maior mérito: produziu em condições adversas. Mais: produziu obras tecnicamente bem-acabadas, engenhosas e inventivas em condições adversas. Ou mudando o foco: promoveu o intercâmbio de ideias, num tempo de formação musical incipiente, em que o contato com obras de compositores de outras regiões era complicado. A genialidade de Tonico do Padre fica ainda maior por ter transcendido todos estes imperativos. Nosso compositor encontra-se no ponto exato do choque entre a cultura alienígena e o desejo de sua apropriação.
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O Brasil fez suas escolhas e o sertão não faz parte de sua história oficial. Ao querer fazer o País menor que suas fronteiras, menor que seu espaço, perdemos todos. Dar a conhecer ao País a história de personagens esquecidos é dever da academia que, recém-chegada, aos poucos se aclimata no sertão. Dar ao País a dimensão que ele tem significa coroá-lo com a diversidade qualitativa da brasilidade e sua arte. Significa, enfim, valorizar a multiculturalidade e a regionalidade do país-continente. Mesmo enfurnadas no sertão do nosso Tonico do Padre, são essas qualidades que conferem a nós, brasileiros, o complexo atestado da identidade.”
Oportuno esse seu artigo, pois nos lembra que a história "oficial" é escrita de acordo com a classe que domina. Como os Estados do sudeste são economicamente mais fortes, é através deles que a história do Brasil é contada. Mas no Centro-Oeste também há histórias, e as há magníficas, só falta um grande contador para narrá-las.
ResponderExcluirfalam em tonico do padre, mas onde estáo suas músicas? onde estáo suas gravaçóes?
ResponderExcluirNossa o hino do Divino por exemplo foi composto por ele!
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