quarta-feira, 29 de abril de 2020

A regulamentação da profissão de historiador

Foto Jornal Opção

A presidência da República, ao acatar o parecer da Advocacia-Geral da União, vetou na íntegra o Projeto de Lei nº 4.699/2012, que regulamenta a profissão de historiador e estabelece os requisitos para seu exercício.

Conforme está no projeto, a atividade de historiador somente poderá ser exercida por quem tem diploma de curso superior, mestrado ou doutorado em História, ou com linha de pesquisa dedicada à História. E deixou uma brecha para os diplomados em outras áreas que comprovem o exercício da profissão de historiador por mais de cinco anos.

Na fundamentação do veto, o projeto é ofensivo ao direito fundamental previsto na Constituição, uma vez que restringe o livre exercício profissional, além de ofender a previsão constitucional da livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação.

Foi feliz a presidência ao decidir pelo veto, e acertou na fundamentação jurídica de sua imposição. A liberdade de expressão está no artigo 5º, incisos IV e IX da Constituição Federal. O primeiro tem amplitude maior ao focar na generalidade da livre manifestação do pensamento. Já o inciso IX trata da liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação. Esses dispositivos legais são importantíssimos, pois buscam assegurar uma existência digna, livre e igualitária a todos os habitantes do Brasil.

O mencionado inciso IX do artigo 5º diz: “IX – É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;”. Com base nesse enunciado, descobrimos que todos possuem o direito de externar suas ideias e opiniões das mais diversas formas. E tudo isso independentemente de essa manifestação se submeter a um controle prévio, quer por censura, quer por licença.

E é justamente esse artigo da Constituição Federal que seria frontalmente atingido, caso o projeto se tornasse lei. Eu dou o exemplo de uma pessoa de poucos estudos, mas que tem inclinação intelectual e resolve contar a história do distrito onde sempre morou. E na base do papel e caneta registra todos os acontecimentos de que se lembra ou ouviu dizer sobre sua comunidade. Depois faz uma vaquinha e banca a obra, que é publicada, para alegria dos estudantes que aguardavam conhecer mais sobre sua região.

No dia do lançamento do livro, o autor é surpreendido pelo conselho de classe dos historiadores, que confisca todo o material e ainda o leva a uma delegacia de polícia por haver infringido o artigo 47 do Decreto Lei nº 3.688/1941, que diz: “Art. 47. Exercer profissão ou atividade econômica ou anunciar que a exerce, sem preencher as condições a que por lei está subordinado o seu exercício: Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de quinhentos mil réis a cinco contos de réis.”

O exemplo acima pode ser endossado com vários exemplos que conhecemos de pessoas que, alcançada uma certa fase da vida, resolveram escrever suas memórias. Todas elas ficariam impedidas de publicar seus livros, pois não seriam inscritas no tal conselho de classe. Poderiam argumentar os defensores do projeto, numa suposição hipotética, que basta não assinar como “historiador”, para não incorrer na contravenção. E eu respondo com uma indagação: vamos pagar para ver? Basta essa lei entrar em vigor e jurisprudências para todo gosto e sabor surgirão. 


Recentemente fui ao lançamento de um excelente livro intitulado: “Naqueles Tempos – Histórias e Causos de Pirenópolis”. A autora é Marieta de Sousa Amaral, uma mulher que tem a sabedoria da vida, embora com pouco estudo. Sua obra é excelente, pois narra com simplicidade a história da cidade de Pirenópolis/GO, onde viveu seus oitenta anos de existência. No livro, Marieta se autointitula historiadora, pois de fato o é. Mas se o projeto de lei fosse sancionado, ela poderia ter problemas legais. Um absurdo!

É oportuno lembrar, igualmente, dos professores. Não é pouco o número de formados em outras áreas das Ciências Humanas que dão aula nas faculdades de História. Na aplicação desse projeto, todos aqueles que não entram em seus requisitos ficarão de fora dessa docência acadêmica. Outro absurdo.

O veto foi publicado do Diário Oficial da União do dia 27/04/2020 e seguirá para análise em sessão conjunta do Congresso, ainda sem data marcada.

Adriano Curado

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