Naqueles
idos de 1930 creio que era mesmo um escândalo uma mulher dançar na
noite. E ainda mais se fosse alguém com quem o comissário de polícia
tinha uma filha. Todos na pequena cidade sabiam do resultado da aventura
extraconjugal do policial, mas mantinham-se em sepulcral silêncio, por
razões óbvias. O nome do homem era Lopes e o da dançarina, Marinalva. Um
casal que vivia aos trancos e barrancos, com agressões mútuas e
escândalos a custo contidos pelos jornais. Uma história assim, por
certo, não poderia acabar bem.
O
entrevero final se deu numa noite de reinauguração da Casa Estrela, o
maior e mais sofisticado cabaré da região, lugar frequentado por
políticos, industriais, fazendeiros e outros casca grossa. Marinalva foi
previamente apresentada nas propagandas como a atração principal, o
"prato do dia", no linguajar da mídia. A esposa de Lopes, inclusive,
comentara que era obrigação dele zelar pelos bons costumes e impedir que
o rádio noticiasse algo assim a todo momento.
Por
volta das vinte horas já não cabia mais ninguém na Casa Estrela. Até
sua calçada, e mesmo algumas ruas ao redor, estavam lotadas de curiosos.
Quem comprara o bilhete com semanas de antecedência, estava lá dentro.
Os demais só podiam se contentar com o entra e sai de gente importante.
Sentados às mesas cobertas com toalha vermelha, à luz de um discreto
abajur, os homens de sobrecasaca aguardavam ansiosos que Marinalva se
apresentasse, enquanto assistiam as apresentações menores e saboreavam Camus Cognac Cuvee a preço de ouro.
Mas
nem tudo era tranquilidade naquela casa de shows. Trancada no camarim,
Marinalva ouvia as argumentações de Lopes. Ele estava bêbado, cabelo e
roupas em desmazelo, e trazia um revólver na mão. Dizia para sua amada
que apesar de não poder arruinar o casamento, era dela que gostava.
Argumentava também que tinham uma filha e aquela profissão não era digna
de uma mãe zelosa. Por fim, terminou com o oferecimento de bancá-la
para que não se apresentasse naquela noite.
─ Meu querido, não faço isso por dinheiro. Sou uma profissional da dança, quero que minha arte seja vista. Eu vivo pela satisfação que isso me dá.
─ Mas os homens que estão ali fora não pensam assim. Eles olham para você com malícia de acentuada libido.
─ Não respondo pelos outros. Falo apenas por mim.
Ele está realmente muito nervoso, e agora passa a mão pela testa empapada de suor. O álcool gira na cabeça, embaralha o pensamento
Ele então aponta a arma para ela.
─ Meu querido, não faço isso por dinheiro. Sou uma profissional da dança, quero que minha arte seja vista. Eu vivo pela satisfação que isso me dá.
─ Mas os homens que estão ali fora não pensam assim. Eles olham para você com malícia de acentuada libido.
─ Não respondo pelos outros. Falo apenas por mim.
Ele está realmente muito nervoso, e agora passa a mão pela testa empapada de suor. O álcool gira na cabeça, embaralha o pensamento
─
Eu também amo muito você, Lopes. Mas sou uma artista, tenho que
expressar minha arte. Não faço isso unicamente pelo dinheiro, repito.
─ Não posso ver a mulher que amo e que é a mãe de minha filha se vender assim!
Quando finalizou o derradeiro show menor e o apresentador estava prestes a anunciar a atração primeira da casa, ouviu-se no salão um estampido de tiro. Alguns se põem de pé, outros se aproximam cautelosos da saída. Afinal, são autoridades públicas que não podem se expor a escândalos.
Mas o vozerio silencia quando Marinalva se apresenta bela e deslumbrante para a plateia boquiaberta. E fez a maior e melhor apresentação de toda sua carreira. E também a última.
Estendido no camarim, uma poça de sangue ao redor do corpo, Lopes jazia com a arma ainda na mão. Suicidara-se, concluiu a perícia. E o interessante da tragédio era que, morto, conseguiu o que não lograra êxito em vida: tomada pela emoção, Marinalva deixou o palco para sempre...
Mas dezoito anos após, Marilinda, a filha, estreava na Casa Estrela.
Adriano Curado
Conto resumido extraído do livro O tapuia que não falava português.
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