Escrever é um ato solitário, uma viagem para
dentro de sí próprio, um passeio pelos recônditos da alma. Estou
sempre às voltas com um texto novo. Às vezes me pego de madrugada
com o caderno de apontamentos da mão, tento lançar fragmentos de
sonhos ou delírios. Isso quando não trabalho no novo livro que pede
para ser gestado.
Tamanha dedicação aos textos exige paciência da
companheira, dos amigos e filhos. É uma compreensão que não há
como explicar e só é dada por quem tem o escritor em grande conta.
Sacrifica-se um lado para dar mais ênfase ao outro. Coisas da vida.
Fato é que, se somadas todas as horas que passo
comigo mesmo e com as minhas letras, dariam anos de solidão
absoluta. Mas sou uma pessoa privilegiada porque posso abrir a janela
do meu quarto e vislumbrar à minha frente uma paisagem espetacular.
Digo isso porque sei que a maioria não tem esse estímulo visual
logo pela manhã. Então começo o dia de excelente humor após a
contemplação da sinfonia de pássaros emoldurada pelo verde vivo da
mata.
Acordo bem cedo para escrever, antes do despertar da
casa, quando o silêncio é meu maior aliado e a inspiração
encontra o caminho da literatura. Saio na ponta dos pés, convoco
meus personagens para novo embate e nos sentamos todos em frente ao
papel e à pena. E então a magia acontece! Não saberia descrever
como se dá o parto da escrita. É um dom que poucos têm e uma
ínfima parcela exercita. O escriba se abstrai e leva consigo os
mundos que tentar criar. Vão todos para uma dimensão apartada, um
universo que não é real mas que se incorpora devagar aos sulcos que
cava na alma do literato. Todo escritor traz para sempre na alma as
cicatrizes do que escreve. Ninguém sai imune de um texto.
Por tudo isso é que valorizo demais as composições
literárias alheias, pois sei da dureza dessa profissão. Sempre que
me convidam para lançamentos de livros e posso ir dou o ar da graça.
Compro um exemplar, peço autógrafo, leio e comento. Não gosto
quando me pedem livros de presente porque isso é sinal de que o
leitor não me tem em séria conta. Presenteio os que me pedem, mas
contrariado. Acho que é muito barato adquirir um livro.
E sigo no afã de escrever enquanto tenho fôlego
para isso. Se a chama da literatura se apagar amanhã, pelo menos
teria desfrutado da convivência de tantos personagens nesta jornada
de isolamentos.
Adriano Curado
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