quinta-feira, 18 de junho de 2020

Carta aberta - dr. Fausto Jaime

CARTA ABERTA AO PREFEITO MUNICIPAL E A TODAS AS AUTORIDADES PÚBLICAS DE PIRENÓPOLIS

Tenho acompanhado à distância os acontecimentos e a situação de Pirenópolis neste momento crítico por que passa o nosso país em razão da Pandemia da COVID-19. As perguntas que me fiz foram as seguintes: como Pirenópolis poderá passar por esta situação sem ter que enfrentar grande sofrimento e uma situação verdadeiramente crítica? Dessa forma, pensei nos problemas sociais e econômicos que já afligem a nossa população, acima de tudo a minha preocupação principal são os problemas médicos e sanitários decorrentes da Pandemia da COVID-19. Lembro que as perspectivas para os próximos dois meses em nosso país são críticas, para não dizer sombrias.

A falta de um posicionamento firme e resolutivo por parte do Ministério da Saúde fez com que o combate à pandemia se tornasse pouco eficaz com a ampliação da morbidade e mortalidade. Isto traz como consequência, também, uma maior duração do período epidêmico. Recentemente, o Ministério da Educação publicou a Portaria No. 544 de 16 de junho de 2020, que dispõe sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais, enquanto durar a situação de pandemia do novo coronavirus – COVID-19. O período de autorização de que trata a Portaria se estende até 31 de dezembro de 2020. Pelo visto, o Ministério da Educação prevê que a situação de pandemia em nosso país se estenderá por um período maior do que presume o Ministério da Saúde.

No nosso entendimento, a Prefeitura de Pirenópolis deverá realizar um programa integrado de controle da Pandemia da Covid-19. Esta ação deverá ser coordenada pela Secretaria Municipal de Saúde que deverá realizar o mapeamento do coronavírus na cidade. Isto deverá ser feito através dos testes rápidos adquiridos pelo município. Estes exames detectam anticorpos produzidos pelo organismo do paciente. Este trabalho deverá ser coordenado pela Secretaria Municipal de Saúde, com o apoio da Secretaria de Estado da Saúde e do Governo Estadual. Sempre que necessário se poderá também buscar o apoio do Ministério da Saúde.

Uma Unidade de Saúde e uma Equipe de profissionais deverá ficar responsável por coordenar este trabalho de controle e combate a COVID-19. Uma Unidade de Saúde deverá se responsabilizar pelo controle de todo este processo de trabalho. Isto não significa que a Covid-19 só será vista por esta equipe. Todo Sistema Municipal de Saúde deverá estar atento para se rastrear a ocorrência do vírus SARS-COV-2 e suas manifestações em todo município de Pirenópolis. A prioridade, em um primeiro momento, é a zona urbana e, posteriormente, a atenção deverá se voltar também para o meio rural.
Uma parte importante desta abordagem é o seu caráter sistêmico. Esta abordagem se baseia no reconhecimento da grande complexidade da missão a ser enfrentada. Várias medidas deverão ser adotadas para enfrentar com sucesso a Pandemia da COVID-19. Um passo importante é o levantamento por meio de uma pesquisa epidemiológica.

As equipes da rede de atenção básica à saúde deverão receber treinamento e equipamentos adequados para atender aos casos leves de COVID-19. Pode-se pensar, ainda, na criação de centros comunitários de isolamento para as pessoas com diagnóstico suspeito e confirmado que morem em casas com poucos cômodos e muitos moradores. É recomendável, também, ampliar a comunicação institucional para orientar a população. Uma medida que consideramos importante é assegurar a capacidade de testagem, aplicando o exame RT-PCR em todos os casos suspeitos no início dos sintomas e nas pessoas com que estes suspeitos tiveram contato. Além disso, deverão ser realizados inquéritos sorológicos com testes rápidos nas comunidades, para medir o avanço da pandemia na população.

Destacamos, ainda, a importância do isolamento social para frear a pandemia. Ressaltamos, também, a importância das medidas econômicas de proteção social para possibilitar que a população cumpra o isolamento. É importante o socorro financeiro às atividades econômicas para preservar as empresas, especialmente as micro e pequenas, além da manutenção dos empregos formais sem redução de salários, auxílio emergencial aos trabalhadores informais e proteção financeira às populações vulneráveis. Isto pode ser articulado junto ao governo estadual e ao governo federal.

As projeções atuais mostram o pico da pandemia entre agosto e setembro. No momento, não estamos próximos do colapso do sistema de saúde, mas, certamente, ainda estamos longe do pico da pandemia em nosso estado. Ainda há tempo de agir e muito a fazer se quisermos preservar a saúde das pessoas, salvar vidas e reduzir o sofrimento de nossa população. No entanto, não podemos esperar sem tomar as iniciativas necessárias para se resolver este complexo problema.

A pandemia de COVID-19 se acelerou em nosso estado, há uma grande ocupação de leitos de UTI. A expectativa é de que o pico da curva epidêmica só será alcançado entre agosto e setembro, quando o total de casos confirmados oficialmente será muito superior ao observado hoje. O que fazer agora, então? Haverá algo ainda a ser feito? Temos ainda condições de lutar ou devemos apenas aceitar que fomos vencidos pela pandemia? Em minha sincera opinião, há muito a ser feito. É possível ainda vencermos o vírus e evitarmos o sofrimento de milhares de pessoas e muitas mortes. Para alcançar este objetivo, cada município e cada região deverão fazer o seu dever de casa.

Em primeiro lugar, mais do que nunca é preciso mobilizar todo o sistema de saúde para o enfrentamento à COVID-19, não apenas os serviços de urgência e a rede hospitalar. Muitos profissionais e pesquisadores da saúde acreditam que os sistemas universais de saúde, como o SUS, podem ser dotados de uma robusta rede de atenção primária e que esta poderá dar uma contribuição decisiva para o enfrentamento efetivo e equitativo da pandemia causada pela COVID-19. A rede de serviços de atenção primária à saúde e seus trabalhadores precisam assumir o protagonismo da luta contra a COVID-19. Médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem e agentes comunitários de saúde devem ser a linha de frente do combate à pandemia.

Para dar conta dessa missão, os profissionais da atenção básica precisam de ter as condições adequadas para o exercício de sua missão, a exemplo de EPIs adequados, oxímetros digitais para cada um dos profissionais da equipe de saúde, acesso rápido a exames de laboratório e imagem, medicamentos, materiais e insumos básicos necessários a esse combate à sua disposição em quantidade e qualidade adequados. As equipes de atenção primária à saúde precisam, também, de receber treinamento específico, em caráter de urgência, para que elas possam realizar com qualidade e no tempo certo o manejo clínico de casos suspeitos e confirmados, tratamento medicamentoso adequado e oportuno, busca ativa de casos, monitoramento de contatos, orientação às famílias e articulação com serviços de referência. No município de Pirenópolis, o pronto socorro do Hospital Ernestina Jaime Lopes poderá assumir a responsabilidade do atendimento de urgências. Dessa forma, o prédio da UPA poderá, eventualmente, ser utilizado para outras finalidades no sistema de saúde.

É urgente que se definam protocolos clínicos e de vigilância em saúde bem definidos para a atenção primária à saúde, elaborados por especialistas. As universidades, os conselhos e associações profissionais ao lado de trabalhadores da saúde estadual tem todas as condições de elaborar tais protocolos e realizar o treinamento das equipes de saúde. Estas entidades precisam ser mobilizadas para esta finalidade.

É importante estabelecer parâmetros, condutas e fluxos para a identificação precoce de sinais e sintomas de agravamento dos casos clínicos e para o seu encaminhamento às unidades de referência de pronto atendimento e de internação. Reafirmamos aqui, mais uma vez, a necessidade de buscar com urgência as condições necessárias para realizar o exame de RT-PCR em todos os casos suspeitos no início dos sintomas e em seus contatos, além de obter o resultado desses testes com rapidez.

É essencial a adoção de tecnologias de tele atendimento e de tele orientação da população pelas equipes de atenção primária à saúde. Estamos falando de recursos simples como o WhatsApp no contato entre os trabalhadores da saúde, os pacientes e as famílias do seu território de abrangência. Lembro, ainda, da necessidade de interconsulta entre os profissionais da atenção básica e especialistas por meio da telemedicina. Estes acessos devem ser simplificados, sem entraves burocráticos.

Nos distritos ou mesmo em bairros com maior incidência de casos e com baixa cobertura assistencial, poderão ser organizadas brigadas emergenciais de saúde (médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e agentes de saúde) para realizar atendimento nas comunidades, em unidades de saúde, outros equipamentos públicos, nos domicílios ou por meio da instalação de tendas de atendimento primário emergencial. Nessas mesmas localidades, poderão ser criados centros comunitários de isolamento para as pessoas com diagnóstico suspeito e confirmado que residirem em moradias com poucos cômodos e ou muitos moradores. As escolas, ginásios, hotéis e pousadas podem, eventualmente, cumprir essa tarefa. Lembramos que precisam de isolamento, principalmente as pessoas infectadas em período de contágio. Esta condição será revelada através dos testes previstos.

Insisto que a maior defesa que temos contra a pandemia é o isolamento social. Em nosso estado, não temos as menores taxas de isolamento social do país. No entanto, é essencial adotarmos isolamento social rigoroso para alcançar taxas superiores a 70%, no período de pico da epidemia, que se avizinha e reduzirmos a velocidade de disseminação da doença. O isolamento social precisa ser acompanhado de socorro financeiro às atividades econômicas produtivas, para preservar a saúde das empresas, especialmente as micro e pequenas empresas, a manutenção dos empregos formais sem redução de salários, a renda dos trabalhadores informais e a proteção financeira às populações vulneráveis.

É importante a realização de inquéritos sorológicos populacionais em todo o município, a cada 14 dias, para detectar a presença de anticorpos na população, a taxa real de infecção e cura, medida fundamental para o planejamento da saída gradativa do isolamento social. Para a realização desses inquéritos sorológicos, pode-se solicitar o apoio da Secretaria de Estado da Saúde e de universidades que têm pesquisadores e capacidade logística para realizar essa tarefa. Caso necessário, poderão ser instaladas tendas de atendimento primário em saúde em distritos, em locais de grande circulação e para assegurar acesso facilitado a territórios com alta incidência de casos. Estas tendas podem servir também como pontos de coleta de material para realização do exame RT-PCR, inclusive na modalidade drive-thru.

É necessário ampliar a comunicação institucional de orientação à população. Para esse mister, poderão ser utilizados o rádio, as redes sociais, os carros de som, as mensagens de SMS e WhatsApp em massa, aplicativos de celulares, linguagem criativa e adaptada aos diversos públicos. Territorializar a comunicação para informar e orientar com objetividade e resultado prático às pessoas.

No âmbito dos prontos atendimentos e da unidade hospitalar, deverão ser implantados protocolos clínicos atualizados e o treinamento das equipes de saúde. Os resultados obtidos pelo mapeamento vão auxiliar o poder público a tomar decisões, sobretudo, no que diz respeito às medidas de isolamento social e outras estratégias de enfrentamento, adotadas para conter a pandemia de coronavírus.

O mapeamento é direcionado para pessoas assintomáticas e acontece em duas etapas, com a aplicação de testes em cada bairro ou distrito e povoado. Na primeira fase, deve-se concentrar nos profissionais de saúde. A ideia é englobar 100% dos profissionais das Unidades Básicas de Saúde da zona urbana, como médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, dentistas, técnicos em saúde bucal e auxiliares de serviços gerais. Além disso, a testagem deverá, também, contemplar os agentes comunitários de saúde, os agentes de combate às endemias, os técnicos da Vigilância Sanitária e os profissionais que trabalham na limpeza urbana.

A segunda fase testará, por amostragem, funcionários de empresas que oferecem serviços essenciais autorizados pelos decretos municipais e estaduais e membros da população em geral. Em todo o processo de mapeamento serão aplicados testes rápidos por plasma sanguíneo e emitidos laudos diagnósticos.

É vital um esforço de mobilização de todos os entes e poderes públicos e da sociedade civil, empresários e trabalhadores, profissionais de saúde de todas as categorias e especialidades, para um exercício permanente de diálogo e concertação. Instituir com urgência um comitê municipal com essa representação para debater os problemas, planejar e coordenar as ações a serem executadas por cada uma das instituições públicas e os atores sociais. Não adianta editar decretos governamentais recomendatórios ou impositivos sem a participação e a escuta de todos os sujeitos envolvidos.
Especialmente decretos ineficazes para o atual momento, em que já alcançamos a situação de risco máximo em nosso município e em todo o estado.

É de grande relevância cuidar da saúde física e mental dos trabalhadores da saúde. Assegurar EPIs de qualidade, treinamento, testagem rotineira, ambientes adequados de trabalho e repouso, jornada de trabalho decente, acomodações adequadas em seus deslocamentos, remuneração justa e proteção previdenciária adicional. Do contrário, logo faltarão profissionais de saúde para a linha de frente, afastados por terem se infectado.

É muito importante atuar para constituir uma atenção básica resolutiva. A nossa atenção primária à saúde deverá fazer todos os procedimentos previstos na atenção primária e, além disso, deverá oferecer alguns procedimentos de média complexidade, especialmente aqueles que, neste momento, contribuam para o diagnóstico e tratamento da COVID-19.

Como disse antes, não estamos próximos do colapso do sistema estadual de saúde. No entanto, ainda estamos longe do pico da pandemia em nosso estado. Ainda há tempo de agir e muito a fazer se quisermos preservar a saúde das pessoas, salvar vidas e reduzir o sofrimento do nosso povo. Só não podemos esperar mais um dia sequer.

Destaco, ainda, que todas as iniciativas aqui propostas são absolutamente exequíveis e a maioria em curtíssimo espaço de tempo. À exceção de parte das medidas econômicas, todas as demais encontram-se dentro da capacidade de governo nos âmbitos estadual e municipal. Temos em nosso estado e em nosso município, o conhecimento técnico-científico, a capacidade intelectual e a força de trabalho mobilizável para a sua realização, bem como a disponibilidade de recursos financeiros. Devemos buscar, maneira articulada e suprapartidária, o apoio da secretaria de estado da saúde, do governo estadual e do Ministério da Saúde para este esforço de controle da Pandemia da COVID-19 em nosso município.

Temos muito a fazer! Vamos à luta! Contem comigo!!!...

Pirenópolis, 17 junho de 2020.

Fausto Jaime*

* Fausto Jaime, médico, especialista em clínica médica, em medicina intensiva e saúde pública, com formação em Infectologia (Medicina Tropical), professor universitário e gestor governamental, mestre em saúde coletiva, doutorando em bioética pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto em Portugal.

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